domingo, 15 de novembro de 2020

Mundo Virtual: Pensamento Ilusório e Teoria da Conspiração

 

        Mundo virtual: Pensamento Ilusório e Teoria da Conspiração

Com a avassaladora torrente de informações que nos são despejadas pelas redes sociais, especialmente em tempos de extrema polarização política e da pandemia do COVID-19, identificamos três fenômenos recorrentes em uma enorme quantidade de mensagens circulando pela internet. Um deles é o famoso Fake, do qual temos tratado com frequência em nossos escritos. O segundo é a Teoria da Conspiração. O terceiro é o Pensamento Ilusório - Wishful thinking. O que será isso? Vamos recorrer à Wikipedia, que muito bem define o conceito (1):

“Wishful thinking é uma expressão idiomática inglesa, às vezes traduzida como pensamento ilusório ou pensamento desejoso, usada na língua portuguesa, que certas pessoas pensam ser de difícil tradução. Significa tomar os desejos por realidade e tomar decisões ou seguir raciocínios baseados nesses desejos, em vez de em fatos ou na racionalidade. Pode ser entendido também como a formação de crenças de acordo com o que é agradável de se imaginar, ao invés de basear essas crenças na racionalidade. É um produto da resolução de conflitos entre crença e desejo.[1]. Em português a expressão, "vontade de crer" reproduz com precisão a ideia de "wishful thinking", como atesta a definição do dicionário Houaiss da Língua Portuguesa: "impulso que conduz o ser humano à crença em determinadas suposições, tais como os princípios da religião ou do livre-arbítrio, cuja legitimidade não depende de qualquer comprovação obtenível por meio de fatos ou dados objetivos, mas de sua utilidade psicológica e dos benefícios vitais que as acompanham." (...). Explicação simples e perfeita.

Wishful thinking e Teoria da Conspiração são parentes muito próximos no tocante à uma crença cega enquistada na mente das pessoas. Uma teoria da conspiração é geralmente construída sobre meras possibilidades, articula fatos com suposições ou mesmo com inverdades, fakes, para construir algo que faça sentido para explicar porque as coisas estão acontecendo de uma determinada forma.

Vamos novamente recorrer a Wikipedia para a definição deste termo (2):

“Teoria da conspiração, também chamada de teoria conspiratória ou conspiracionismo, é uma hipótese explicativa ou especulativa que sugere que há duas ou mais pessoas ou até mesmo uma organização que têm “tramado” para causar ou acobertar, por meio de planejamento secreto e de ação deliberada, uma situação ou evento tipicamente considerado ilegal ou prejudicial.

Desde meados dos anos 1960, o termo se refere a explicações que mencionam conspirações sem fundamento, muitas vezes produzindo suposições que contrariam a compreensão predominante dos eventos históricos ou de simples fatos.[1] [2][3][4]

Uma característica comum das teorias conspiratórias é que elas evoluem para incluir provas contra si próprias, de modo que se tornem infalseáveis  [impossível de serem demonstradas falsas]. Conceito importante na filosofia da ciência (epistemologia), e, como afirma Michael Barkun"uma questão de  em vez de prova".[5][6] O termo "teoria da conspiração" adquiriu, portanto, um significado depreciativo e é muitas vezes usado para rejeitar ou ridicularizar crenças impopulares.[1]

Os indivíduos formulam teorias conspiratórias para explicar, por exemplo, as relações de poder em grupos sociais e a existência percebida de forças malignas.[7][8][9][10] Teorias da conspiração têm origens principalmente psicológicas ou sócio-políticas.[carece de fontes] As origens psicológicas propostas incluem projeção; a necessidade pessoal de tentar explicar "um evento significante [com] uma causa significante"; e o resultado de vários tipos e estágios de transtornos de pensamento (disposição paranoica, por exemplo), que vão desde as doenças mentais graves até as diagnosticáveis. Algumas pessoas preferem explicações sócio-políticas para não se sentirem inseguras ao se depararem com situações aleatórias, imprevisíveis ou, de outra forma, inexplicáveis.[11][12][13][14][15][16] A crença em teorias da conspiração pode ser racional, de acordo com alguns filósofos.[17][18][necessário verificar] (...)

            O wishful thinking, pensamento ilusório, ou pensamento desejoso, até por definição, é otimista, nem importa quão remota, ou até impossível seja a realização daquilo que se deseja. É muito mais um produto da fé do que da razão. Aquele que o contesta é imediatamente rotulado de pessimista. Pode ser passivo, servindo de conforto para quem o cultiva. Ou não, quando o sonhador, ainda que bem intencionado, consegue propalar a ideia para um grande número de pessoas e causar grandes transformações, para o bem ou para o mal, em uma sociedade.

            Já uma teoria da conspiração pode frequentemente embutir um componente paranoico, semear o pavor, buscar engajar as pessoas a lutar contra a concretização de um enredo sinistro construído na mente de seu criador.

            Comum a ambas está a presença das indefectíveis fake news que, mesmo quando óbvias, são cada vez mais usadas, acreditadas e repassadas nas redes. Não há tempo para um exercício crítico em tempos em que a reflexão fica relegada a um segundo, terceiro plano. “Ninguém mais lê e-mails”, foi a resenha que fiz do livro “A geração superficial: o que a internet está fazendo com os nossos cérebros?” (3), um dos livros mais vendidos do ano em 2011 nos EUA, e sucesso em muitos países, e objeto de algumas conferências que realizei e postada aqui neste blog. O autor, Nicholas Carr (jornalista, colaborador do The New York Times, escrevendo sobre economia, cultura e tecnologia), morando em Boston, uma das cidades mais conectadas do mundo, decidiu dar um tempo. Desconectou-se da internet e passou seis meses nas montanhas refletindo sobre o fenômeno. Tornou-se um troglodita? De modo algum! Voltou a conectar-se, apenas seguiu o conselho do filósofo Heidegger, frequentemente citado em meus ensaios, e também citado por Carr: aprendeu a dizer “sim e não aos objetos da técnica.” Simples, não é? Usar a técnica em nosso proveito e, não, nos tornarmos doentiamente dependentes dela.

Curioso é que já na época em que escreveu seu livro, Carr em um dado momento lamenta que “ninguém mais lê Guerra e Paz”, referindo-se ao monumental livro de Lev Tolstói, um dos expoentes máximos da literatura universal. Ninguém, claro, salvo as exceções de sempre, lê mais livro algum. Mergulhados em seus objetos da técnica, os já dependentes dela mal dão atenção àqueles que estão fisicamente ao seu redor. Estranhamente estão mais atentos às telas de seus aparelhos, checando/emitindo mensagens através do WhatsApp, participando de Lives e em outras atividades que o mundo virtual lhes oferece.

Sou contra as redes? De modo algum! Até porque a mídia tradicional em geral, aqui e mundo afora, está tendenciosa, sensacionalista, fomenta ódio e se se compraz com tragédias. As redes, se, como disse Umberto Eco (escritor, filósofo, semiólogo, linguista e bibliófilo italiano de fama internacional) deram voz aos idiotas, também deram voz àqueles que, sufocados pelo poder da mídia tradicional, encontraram nela um canal para expressar seus pensamentos, suas ideias. É pelas redes que eu estou me comunicando, que faço postagens no meu blog. Há muita coisa boa nas redes, mas temos que estar atentos para não nos deixar engolir pela torrente de ódios e desinformação circulando sobre virtualmente todos os temas importantes em nossa sociedade. Podemos combater, sim, ideias com as quais não concordamos, mas com honestidade, com seriedade, com fundamentação.

(1) https://pt.wikipedia.org/wiki/Wishful_thinkinghttps://br.search.yahoo.com/search?fr=mcafee&type=E211BR105G0&p=wishful+thinking Acesso em 14/11/2020

(2)

 https://pt.wikipedia.org/wiki/Teoria_da_conspira%C3%A7%C3%A3o Acesso em 14/11/2020

(3) Carr, Nicholas. “O que a internet está fazendo com os nossos cérebros.” AGIR, 2011.

José Antonio C. Silva

15/11/2020

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Apêndice

O texto que postei neste blog em 15/06/2017, Atividade, tem muito a ver com o que escrevi acima, por isso reproduzo como Apêndice.

ATIVIDADE

Em tempos de sofreguidão, de urgência, de submissão da reflexão à pronta reação no batucar frenético das teclas de um computador ou de um celular, de necessidade de se estar sempre realizando algo, vale atentarmos para as considerações, feitas há cerca de 60 anos, do psicanalista, filósofo e pensador social alemão Erick Fromm sobre dois diametralmente opostos conceitos de atividade. Ao final do texto, o pensamento de Spinoza é brilhantemente trazido por Fromm para sublinhar a diferenciação entre esses dois conceitos.

“Por ´atividade´, no emprego moderno do termo, queremos normalmente referir-nos a uma ação que produz mudança numa situação existente, por meio de gasto de energia. Assim, um homem é considerado ativo quando faz negócios, estuda medicina, trabalha numa usina, fabrica uma mesa, ou dedica a esportes. Todas essas atividades têm sido em comum: dirigem-se para um alvo exterior a ser alcançado. O que não se leva em conta é a motivação da atividade. Veja-se, por exemplo, um homem impelido a um incessante trabalho por um sentimento de profunda insegurança e solidão; ou outro impulsionado pela ambição, ou pela avidez por dinheiro. Em todos esses casos a pessoa é escrava de uma paixão, e sua atividade é de fato uma ´passividade`, porque ela é impelida; é o paciente, não o ´ator`. De outro lado, alguém que se assente calmo e contemplativo, sem outro alvo que não o de experimentar-se e à sua unidade com o mundo, é considerado como ´passivo`, porque não está ´fazendo` coisa alguma. E, na verdade, esta atitude de meditação concentrada é a mais alta atividade que existe, uma atividade da alma, só possível sob condições de independência e liberdade interiores. Um conceito de atividade, o moderno, refere-se ao uso de energia para a consecução de metas externas; o outro conceito de atividade refere-se ao uso dos poderes inerentes ao homem, sem que importe a produção de qualquer mudança exterior. Este último conceito de atividade foi formulado com muita clareza por Spinoza. Diferencia ele os afetos entre ativos e passivos, ´ações` e ´paixões`; no exercício de um afeto passivo, o homem é impelido, é objeto de motivações de que ele próprio não tem consciência.” 

O texto citado está na pag. 44 do livro A Arte de Amar, de Erich Fromm, Editora Itatiaia, Belo Horizonte, 1958. Trata-se da tradução para o português da edição em inglês do livro “The Art of Loving”, lançado em 1956.

8 comentários:

  1. Excelente texto. Um alerta sobre o bom uso das redes para não sucumbirmos ao ódio, desinformação e manipulação. Você nos lembra que pelas redes também é possível construir boas perspectivas e compartilharmos nosso pensamento com autonomia buscando o que faz sentido..

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  2. Seu texto nos faz refletir sobre a importância de estarmos sempre atentos e livres para questionarmos essa realidade, que vc aqui bem descreve , e da qual todos fazemos parte. Queiramos ou não. Mas, como vc observa, podemos escolher como fazer frente a tudo isso e evitar nos tornarmos reféns dos fatos, engessados mentalmente e cegos intelectualmente. O que também não deixa de ser uma escolha. Cada um faz a sua. ZÉ, este comentário é meu, Célia, e não do Maurício.

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  3. Zé, pensamos igual, vc expressa com clareza! Cada dia mais presente, consciente, acordados, com olhar crítico, assim sendo , aproveitando o melhor do mundo virtual, sem ser o engolido pelo mesmo. É preciso estar atento e forte.......👏👏👏👏👏👏

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  4. Meu Caro, pensando em sua crônica, estou tentando descobrir a saída para um sujeito como eu adepto das redes sociais, usuário assíduo do "celulite", sendo constantemente enganado por uma avalanche de fake news, pensamentos ilusórios e teorias da conspiração. A minha "vontade de crer" em seus argumentos, sugere-me que a única alternativa que me resta é desconectar-me da internet como fez Nicholas Carr, passar algum tempo em algum lugar onde não hajam torres de conexão com o mundo virtual , tentando curar-me da paranoia existente hoje nas redes sociais. Esses tempos estranhos que nos transmitem uma avalanche de dados impossíveis de serem utilizados simultaneamente pelos usuários, nos causam às vezes uma confusão mental que exige muito equilíbrio para escolher o que efetivamente contribui para nosso conhecimento, ao invés de causar frustrações por não conseguirmos acompanhar os mais jovens que dominam com mais facilidade o ambiente das centenas de plataformas e softwares disponibilizados para jurássicos como eu.
    Não sou contra as redes existentes hoje, desde que sejam utilizadas com muita parcimônia, é inegável a utilidade de um google, lembro-me da época que só dispúnhamos de enciclopédias Barsas, tornando nosso tempo gasto em pesquisas muito demorado na ocasião.
    Durante a época de campanhas políticas, o WhatsApp por exemplo, transforma-se em uma plataforma do ódio com suas mensagens parciais e fakes, confundindo principalmente uma camada da população que não tem acesso ao conhecimento.
    Sua pesquisa sobre o assunto, é um excelente alerta para que não sejamos impelidos a motivações virtuais sobre as quais não temos consciência de sua veracidade.
    Parabéns.

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    1. Minha resposta aos prezados amigos e amigas que me distinguem com a sua atenção é aquela dada por Heidegger há mais de 60 anos: saber dizer sim e não aos objetos da técnica. Usar a técnica, sem ser usado por ela. Parece fácil, mas não é. Quando se cai numa dependência, livrar-se dela exige muita determinação.

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  5. Excelente alerta a práticas bem antigas que realizamos no nosso dia a dia, em diversos níveis e percepções; hoje, intensificadas pela pandemia e muito disseminadas pelo uso indiscriminado das mídias digitais. Sua visão e brilhantismo sempre nos conduz a um pensamento filosófico!

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  6. Muito bom pai! Tanta gente q está precisando ler esse texto...

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  7. Perfeito, Zé Antônio! Em tempos de fake news, intolerância, soberba e de generalizada falta de paciência e de tempo p reflexão esse texto é um achado! Parabéns!!���������������� que venham dias mais saudáveis e pacíficos! Forte abraco!

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