Mundo virtual: Pensamento Ilusório e Teoria da Conspiração
Com a avassaladora torrente de
informações que nos são despejadas pelas redes sociais, especialmente em tempos
de extrema polarização política e da pandemia do COVID-19, identificamos três
fenômenos recorrentes em uma enorme quantidade de mensagens circulando pela
internet. Um deles é o famoso Fake, do qual temos tratado com frequência em
nossos escritos. O segundo é a Teoria da Conspiração. O terceiro é o Pensamento
Ilusório - Wishful thinking. O que será isso? Vamos recorrer à
Wikipedia, que muito bem define o conceito (1):
“Wishful thinking é uma expressão
idiomática inglesa, às vezes traduzida como pensamento
ilusório ou pensamento desejoso, usada na língua
portuguesa, que
certas pessoas pensam ser de difícil tradução. Significa tomar os desejos por realidade e tomar decisões ou seguir
raciocínios baseados nesses desejos, em vez de em fatos ou na racionalidade. Pode ser entendido também como a
formação de crenças de acordo com o que é agradável
de se imaginar, ao invés de basear essas crenças na racionalidade. É um produto
da resolução de conflitos entre crença e desejo.[1]. Em português a expressão,
"vontade de crer" reproduz com precisão a ideia de "wishful
thinking", como atesta a definição do dicionário Houaiss da Língua
Portuguesa: "impulso que conduz o ser humano à crença em determinadas suposições,
tais como os princípios da religião ou do livre-arbítrio, cuja legitimidade não
depende de qualquer comprovação obtenível por meio de fatos ou dados objetivos,
mas de sua utilidade psicológica e dos benefícios vitais que as
acompanham." (...). Explicação simples e perfeita.
Wishful thinking e Teoria da Conspiração são parentes muito próximos no tocante à uma crença cega enquistada na mente das pessoas. Uma teoria da conspiração é geralmente construída sobre meras possibilidades, articula fatos com suposições ou mesmo com inverdades, fakes, para construir algo que faça sentido para explicar porque as coisas estão acontecendo de uma determinada forma.
Vamos novamente recorrer a Wikipedia
para a definição deste termo (2):
“Teoria da conspiração, também chamada de teoria
conspiratória ou conspiracionismo, é uma hipótese explicativa ou especulativa que
sugere que há duas ou mais pessoas ou até mesmo uma organização que têm “tramado”
para causar ou acobertar, por meio de planejamento secreto e de ação
deliberada, uma situação ou evento tipicamente considerado ilegal ou
prejudicial.
Desde meados dos anos 1960, o termo
se refere a explicações que mencionam conspirações sem fundamento, muitas vezes
produzindo suposições que contrariam a compreensão predominante dos eventos
históricos ou de simples fatos.[1] [2][3][4]
Uma característica comum das teorias
conspiratórias é que elas evoluem para incluir provas contra si próprias, de
modo que se tornem infalseáveis
[impossível de serem demonstradas falsas]. Conceito importante na filosofia da ciência (epistemologia), e, como afirma Michael Barkun, "uma questão de fé em vez de prova".[5][6] O termo "teoria da conspiração"
adquiriu, portanto, um significado depreciativo e é muitas vezes usado para
rejeitar ou ridicularizar crenças impopulares.[1]
Os indivíduos formulam teorias
conspiratórias para explicar, por exemplo, as relações
de poder em grupos sociais e a existência percebida de
forças malignas.[7][8][9][10] Teorias da conspiração têm
origens principalmente psicológicas ou sócio-políticas.[carece de fontes] As origens psicológicas propostas incluem projeção; a necessidade pessoal de tentar
explicar "um evento significante [com] uma causa significante"; e o
resultado de vários tipos e estágios de transtornos de pensamento
(disposição paranoica, por exemplo), que vão desde as doenças
mentais graves
até as diagnosticáveis. Algumas pessoas preferem explicações sócio-políticas
para não se sentirem inseguras ao se depararem com situações aleatórias, imprevisíveis ou, de outra forma,
inexplicáveis.[11][12][13][14][15][16] A crença em teorias da
conspiração pode ser racional, de acordo com alguns filósofos.[17][18][necessário verificar] (...)
O wishful
thinking, pensamento ilusório, ou pensamento desejoso, até por definição, é
otimista, nem importa quão remota, ou até impossível seja a realização daquilo
que se deseja. É muito mais um produto da fé do que da razão. Aquele que o
contesta é imediatamente rotulado de pessimista. Pode ser passivo, servindo de
conforto para quem o cultiva. Ou não, quando o sonhador, ainda que bem
intencionado, consegue propalar a ideia para um grande número de pessoas e
causar grandes transformações, para o bem ou para o mal, em uma sociedade.
Já uma teoria
da conspiração pode frequentemente embutir um componente paranoico, semear o
pavor, buscar engajar as pessoas a lutar contra a concretização de um enredo
sinistro construído na mente de seu criador.
Comum a
ambas está a presença das indefectíveis fake news que, mesmo quando óbvias, são
cada vez mais usadas, acreditadas e repassadas nas redes. Não há tempo para um
exercício crítico em tempos em que a reflexão fica relegada a um segundo, terceiro
plano. “Ninguém mais lê e-mails”, foi a resenha que fiz do livro “A geração
superficial: o que a internet está fazendo com os nossos cérebros?” (3), um dos
livros mais vendidos do ano em 2011 nos EUA, e sucesso em muitos países, e objeto
de algumas conferências que realizei e postada aqui neste blog. O autor, Nicholas
Carr (jornalista, colaborador do The New York Times, escrevendo sobre economia,
cultura e tecnologia), morando em Boston, uma das cidades mais conectadas do
mundo, decidiu dar um tempo. Desconectou-se da internet e passou seis meses nas
montanhas refletindo sobre o fenômeno. Tornou-se um troglodita? De modo algum!
Voltou a conectar-se, apenas seguiu o conselho do filósofo Heidegger,
frequentemente citado em meus ensaios, e também citado por Carr: aprendeu a
dizer “sim e não aos objetos da técnica.” Simples, não é? Usar a
técnica em nosso proveito e, não, nos tornarmos doentiamente dependentes dela.
Curioso é que já na época em que
escreveu seu livro, Carr em um dado momento lamenta que “ninguém mais lê Guerra
e Paz”, referindo-se ao monumental livro de Lev Tolstói, um dos expoentes
máximos da literatura universal. Ninguém, claro, salvo as exceções de sempre,
lê mais livro algum. Mergulhados em seus objetos da técnica, os já dependentes
dela mal dão atenção àqueles que estão fisicamente ao seu redor. Estranhamente
estão mais atentos às telas de seus aparelhos, checando/emitindo mensagens
através do WhatsApp, participando de Lives e em outras atividades que o
mundo virtual lhes oferece.
Sou contra as redes? De modo algum!
Até porque a mídia tradicional em geral, aqui e mundo afora, está tendenciosa, sensacionalista,
fomenta ódio e se se compraz com tragédias. As redes, se, como disse Umberto
Eco (escritor, filósofo, semiólogo, linguista e bibliófilo italiano de fama
internacional) deram voz aos idiotas, também deram voz àqueles que, sufocados
pelo poder da mídia tradicional, encontraram nela um canal para expressar seus
pensamentos, suas ideias. É pelas redes que eu estou me comunicando, que faço
postagens no meu blog. Há muita coisa boa nas redes, mas temos que estar
atentos para não nos deixar engolir pela torrente de ódios e desinformação
circulando sobre virtualmente todos os temas importantes em nossa sociedade.
Podemos combater, sim, ideias com as quais não concordamos, mas com
honestidade, com seriedade, com fundamentação.
(1) https://pt.wikipedia.org/wiki/Wishful_thinkinghttps://br.search.yahoo.com/search?fr=mcafee&type=E211BR105G0&p=wishful+thinking Acesso em 14/11/2020
(2)
https://pt.wikipedia.org/wiki/Teoria_da_conspira%C3%A7%C3%A3o Acesso em 14/11/2020
(3) Carr, Nicholas. “O que a internet está fazendo com os
nossos cérebros.” AGIR, 2011.
José Antonio C. Silva
15/11/2020
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Apêndice
O texto que postei neste blog em 15/06/2017, Atividade, tem
muito a ver com o que escrevi acima, por isso reproduzo como Apêndice.
ATIVIDADE
Em tempos de sofreguidão, de
urgência, de submissão da reflexão à pronta reação no batucar frenético das
teclas de um computador ou de um celular, de necessidade de se estar sempre realizando algo, vale atentarmos para as
considerações, feitas há cerca de 60 anos, do psicanalista, filósofo e pensador
social alemão Erick Fromm sobre dois diametralmente opostos conceitos de atividade. Ao final do texto, o
pensamento de Spinoza é brilhantemente trazido por Fromm para sublinhar a
diferenciação entre esses dois conceitos.
“Por ´atividade´, no emprego moderno do termo, queremos normalmente referir-nos a uma ação que produz mudança numa situação existente, por meio de gasto de energia. Assim, um homem é considerado ativo quando faz negócios, estuda medicina, trabalha numa usina, fabrica uma mesa, ou dedica a esportes. Todas essas atividades têm sido em comum: dirigem-se para um alvo exterior a ser alcançado. O que não se leva em conta é a motivação da atividade. Veja-se, por exemplo, um homem impelido a um incessante trabalho por um sentimento de profunda insegurança e solidão; ou outro impulsionado pela ambição, ou pela avidez por dinheiro. Em todos esses casos a pessoa é escrava de uma paixão, e sua atividade é de fato uma ´passividade`, porque ela é impelida; é o paciente, não o ´ator`. De outro lado, alguém que se assente calmo e contemplativo, sem outro alvo que não o de experimentar-se e à sua unidade com o mundo, é considerado como ´passivo`, porque não está ´fazendo` coisa alguma. E, na verdade, esta atitude de meditação concentrada é a mais alta atividade que existe, uma atividade da alma, só possível sob condições de independência e liberdade interiores. Um conceito de atividade, o moderno, refere-se ao uso de energia para a consecução de metas externas; o outro conceito de atividade refere-se ao uso dos poderes inerentes ao homem, sem que importe a produção de qualquer mudança exterior. Este último conceito de atividade foi formulado com muita clareza por Spinoza. Diferencia ele os afetos entre ativos e passivos, ´ações` e ´paixões`; no exercício de um afeto passivo, o homem é impelido, é objeto de motivações de que ele próprio não tem consciência.”
O texto citado está na
pag. 44 do livro A Arte de Amar, de Erich Fromm, Editora Itatiaia, Belo
Horizonte, 1958. Trata-se da tradução para o português da edição em inglês do
livro “The Art of Loving”, lançado em 1956.
Excelente texto. Um alerta sobre o bom uso das redes para não sucumbirmos ao ódio, desinformação e manipulação. Você nos lembra que pelas redes também é possível construir boas perspectivas e compartilharmos nosso pensamento com autonomia buscando o que faz sentido..
ResponderExcluirSeu texto nos faz refletir sobre a importância de estarmos sempre atentos e livres para questionarmos essa realidade, que vc aqui bem descreve , e da qual todos fazemos parte. Queiramos ou não. Mas, como vc observa, podemos escolher como fazer frente a tudo isso e evitar nos tornarmos reféns dos fatos, engessados mentalmente e cegos intelectualmente. O que também não deixa de ser uma escolha. Cada um faz a sua. ZÉ, este comentário é meu, Célia, e não do Maurício.
ResponderExcluirZé, pensamos igual, vc expressa com clareza! Cada dia mais presente, consciente, acordados, com olhar crítico, assim sendo , aproveitando o melhor do mundo virtual, sem ser o engolido pelo mesmo. É preciso estar atento e forte.......👏👏👏👏👏👏
ResponderExcluirMeu Caro, pensando em sua crônica, estou tentando descobrir a saída para um sujeito como eu adepto das redes sociais, usuário assíduo do "celulite", sendo constantemente enganado por uma avalanche de fake news, pensamentos ilusórios e teorias da conspiração. A minha "vontade de crer" em seus argumentos, sugere-me que a única alternativa que me resta é desconectar-me da internet como fez Nicholas Carr, passar algum tempo em algum lugar onde não hajam torres de conexão com o mundo virtual , tentando curar-me da paranoia existente hoje nas redes sociais. Esses tempos estranhos que nos transmitem uma avalanche de dados impossíveis de serem utilizados simultaneamente pelos usuários, nos causam às vezes uma confusão mental que exige muito equilíbrio para escolher o que efetivamente contribui para nosso conhecimento, ao invés de causar frustrações por não conseguirmos acompanhar os mais jovens que dominam com mais facilidade o ambiente das centenas de plataformas e softwares disponibilizados para jurássicos como eu.
ResponderExcluirNão sou contra as redes existentes hoje, desde que sejam utilizadas com muita parcimônia, é inegável a utilidade de um google, lembro-me da época que só dispúnhamos de enciclopédias Barsas, tornando nosso tempo gasto em pesquisas muito demorado na ocasião.
Durante a época de campanhas políticas, o WhatsApp por exemplo, transforma-se em uma plataforma do ódio com suas mensagens parciais e fakes, confundindo principalmente uma camada da população que não tem acesso ao conhecimento.
Sua pesquisa sobre o assunto, é um excelente alerta para que não sejamos impelidos a motivações virtuais sobre as quais não temos consciência de sua veracidade.
Parabéns.
Minha resposta aos prezados amigos e amigas que me distinguem com a sua atenção é aquela dada por Heidegger há mais de 60 anos: saber dizer sim e não aos objetos da técnica. Usar a técnica, sem ser usado por ela. Parece fácil, mas não é. Quando se cai numa dependência, livrar-se dela exige muita determinação.
ExcluirExcelente alerta a práticas bem antigas que realizamos no nosso dia a dia, em diversos níveis e percepções; hoje, intensificadas pela pandemia e muito disseminadas pelo uso indiscriminado das mídias digitais. Sua visão e brilhantismo sempre nos conduz a um pensamento filosófico!
ResponderExcluirMuito bom pai! Tanta gente q está precisando ler esse texto...
ResponderExcluirPerfeito, Zé Antônio! Em tempos de fake news, intolerância, soberba e de generalizada falta de paciência e de tempo p reflexão esse texto é um achado! Parabéns!!���������������� que venham dias mais saudáveis e pacíficos! Forte abraco!
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