quinta-feira, 18 de abril de 2024

O DILEMA DAS REDES SOCIAIS

 

O DILEMA DAS REDES SOCIAIS

 

“Mídias sociais produzem geração ansiosa”. Este é o título de artigo publicado no jornal O Globo, edição de 13.04.2024, pelo jornalista Pablo Ortellado (1). O artigo trata de matéria sobre a qual eu tenho extensamente tratado em minhas crônicas. Começa citando um livro do psicólogo Jonathan Haidt, recém publicado nos EUA, “The anxious generation”, escrevendo que, no livro, “Haidt argumenta que o uso intensivo de mídias sociais rouba das crianças e dos jovens tempo de experimentação e convívio, causa imediata da atual epidemia de ansiedade e depressão”. E que “as raízes do problema estão nas mudanças culturais que levaram os pais da Geração X a superproteger os filhos”. Continuando, informa que o livro em questão começou como blog na plataforma Substack. Já naquele blog Haidt propôs a tese, então controversa, de que “o grande aumento nos indicadores de depressão, ansiedade, automutilação e suicídio entre os jovens nos anos 2010 estava ligado ao uso das mídias sociais”.

No blog, o psicólogo observa que a literatura anterior correlacionando a incidência de problemas mentais ao uso de telas pelos jovens apresentava evidências fracas e contraditórias. Ele propõe, então, que não considerássemos as telas em geral – incluindo televisão, computador e videogame – mas que focássemos apenas nas mídias sociais. Surge, então, uma correlação muito mais forte, especialmente, afirma ele, se os dados forem filtrados por gênero, apontando o tamanho do problema entre as meninas.

No livro, Haidt argumenta existir uma relação causal entre uso de mídias sociais nos smartphones e a epidemia de doenças mentais entre os jovens. O uso intensivo das mídias sociais limitaria as interações sociais presenciais produtoras de laços afetivos fortes e estimula comparações com padrões estéticos inalcançáveis, gerando ansiedade e depressão.

Segundo o artigo a segunda parte do livro tem como ponto de partida a inquietação explorada noutra obra de Haidt, escrita em parceria com Greg Lukianoff “The coddling of the Ameriacan Mind”. Aqui, Lukianoff fala de uma certa cultura universitária “segurista”: “a proibição nos campi de literatura acadêmica considerada ofensiva (por ser racista ou machista) e a criação de espaços seguros superprotegem os jovens, que não são mais expostos à diversidade e à pluralidade de pensamento”. Prosseguindo, Haidt constata que “a valorização de pequenas ofensas e microagressões pelos movimentos sociais funciona como uma espécie de terapia reversa – enquanto a função da terapia é minorar o trauma, os movimentos sociais terminam supervalorizando ofensas menores, e, involuntariamente, amplificam traumas.”

O psicólogo identifica uma significativa mudança cultural na forma com que os filhos foram criados: nos anos 1980 e 1990 as crianças, filhas dos pais da Geração X, foram criadas com muita liberdade, brincando livremente, sem supervisão, desde os 7 ou 8 anos. Em contrapartida os filhos desses pais são superprotegidos, permanecendo sob cuidadosa supervisão adulta praticamente até a adolescência. Como consequência, as crianças de hoje não desenvolvem a autonomia e não aprendem a lidar com riscos e perigos, habilidade essencial para enfrentar desafios maiores na vida adulta. Só podem brincar e se locomover sob a supervisão de um adulto, não mais saem às ruas sem essa supervisão, como faziam as crianças a partir da segunda infância para praticar jogos e brincadeiras. “O tempo que os adultos dedicam ao cuidado das crianças disparou na segunda metade dos anos 1990 (...) As mídias sociais viciantes que prendem os adolescentes à tela do celular e limitam suas interações sociais e afetivas são, para Haidt, apenas o apogeu da tendencia anterior e mais profunda de superproteção e fragilização das crianças.” Ao final do livro Haidt propõe um conjunto de ações ou reformas que poderiam minorar o problema: proibir o uso de smartphones nas escolas e de qualquer mídia social até os 16 anos, assim como a desafiadora proposta de deixarmos nossos filhos brincarem sem a supervisão adulta, como era feito até os anos 1980 e 1990.

Estou inteiramente de acordo com o texto que acabei de comentar. Ressalto apenas que vivemos outros tempos, bastante diferentes daqueles referidos por Haidt, anos 1980 e 1990. Que já eram diferentes dos anos 1950 quando vivi minha segunda infância. Eu brincava livremente pelas ruas, o único risco era de machucar-me jogando uma pelada, caindo da bicicleta, patinete, de uma árvore onde subira para catar frutos e coisas semelhantes. Não havia nada comparável à ameaçadora violência dos dias de hoje, por isso não se deve dispensar por completo a supervisão adulta. 

Passemos agora a um outro texto publicado no jornal O GLOBO, edição de 14.04.24, intitulado “O exílio da infância”, (2) escrito por Daniel Becker, descrito como Pediatra, Sanitarista, Palestrante e Escritor. E ainda como Ativista pela infância, saúde coletiva, e meio ambiente.

O foco é o mesmo do artigo anteriormente comentado: “os danos causados a crianças e adolescentes pelo excesso de telas – e a necessidade de retomarmos uma infância rica em experiencias no mundo real.” O articulista é de opinião de que um consenso estaria começando a surgir sobre o tema, e que “Pais, mães, educadores e até mesmo nossos jovens estão reconhecendo a importância desse movimento”, e traz a contribuição do já referido psicólogo social norte-americano Jonathan Haidt ao tema, com quem declara ter forte afinidade com seus pontos de vista. Segundo ele, Haidt, num livro publicado no corrente ano, mostra que a geração Z – os nascidos entre 1995 e 2010 – sofreram uma reprogramação cerebral inédita na história humana, com consequências nefastas para a sua saúde. E escreve:

“Eles foram abalroados pelos celulares em plena puberdade, um período decisivo no amadurecimento cerebral. Nessa fase há uma grande mudança no córtex pré-frontal, responsável pelas funções executivas, como tomada de decisão, foco, controle de impulsos, julgamento e resolução de problemas. Surgem novos neurônios, 40% das sinapses são eliminadas, e muitas outras são criadas. Capacidades fundamentais para a vida adulta se desenvolvem e hábitos e vícios formados nessa época tendem a se tornar arraigados.”

“Desde os primórdios da humanidade até em torno de 2010 as crianças entravam na puberdade se relacionando com o mundo real, com seu corpo, amigos e família. Foi então que a velocidade da internet aumenta, surge a Apple Store, e a câmera frontal, o Facebook cria o botão de like e os comentários (e com isso o algoritmo e seus direcionamentos), aparece o Instagram. Começa uma maciça migração dos adolescentes para o mundo virtual. Dez anos depois, estão online quase o tempo todo.”

O articulista segue fazendo considerações extremamente pertinentes sobre os efeitos desastrosos desse processo, terminando por assinalar que “a partir de 2012 as notas do PISA [Programa Internacional de Avaliação de Alunos] global, que subiram por décadas consecutivas, iniciam uma queda abrupta. No mesmo período, as curvas de automutilação, ansiedade, depressão e suicídio em crianças e adolescentes começam uma ascensão violente. A autolesão nos EUA aumenta cinco vezes em dez anos, a ansiedade e depressão quase triplicam. É realmente assustador.” Aqui é o momento de evocarmos a frase do filósofo Mario Sergio Cortella: “O mundo que vamos deixar para os nossos filhos depende dos filhos que vamos deixar para o nosso mundo.”

Finalizamos nossa crônica recomendando veementemente que assistam o documentário “O Dilema das Redes”, disponível no NETFLIX. O filme analisa o papel das redes sociais e os danos que elas causam à sociedade. Para uma análise do conteúdo de seu conteúdo, convido à leitura do texto do artigo no link (3), do qual extraí as seguintes partes:

“O filme conta com uma série de entrevistas de ex-funcionários das principais redes sociais e professores acadêmicos [o que demonstra o sólido embasamento de seu conteúdo]. Como o ex-especialista em ética de design do Google e cofundador do Center for Humane TechnologyTristan Harris; o cofundador do Center for Humane Technology Aza Raskin; o cofundador do Asana e co-criador do botão like do Facebook Justin Rosenstein; o professor da Universidade de Harvard Shoshana Zuboff; o ex-presidente do Pinterest Tim Kendall; a diretora de pesquisa de políticas da AI NowRashida Richardson; o diretor de pesquisa da Yonder Renee DiResta; a diretora do programa de bolsa de estudos da Universidade de StanfordAnna Lembke; e o pioneiro da realidade virtual Jaron Lanier. As entrevistas são ilustradas por dramatizações protagonizadas por Skyler GisondoKara Hayward e Vincent Kartheiser, que contam a história do vício de um adolescente nas redes sociais.”

Segundo o artigo, o foco do filme é explicitar a manipulação sofrida pelos usuários das redes sociais com o objetivo de propiciar ganhos financeiros às empresas. (...) O filme discute como cada elemento do design das redes pretende nutrir o vício do usuário, o uso para influenciar a política, o impacto na saúde mental (incluindo a saúde mental de adolescente e o aumento das taxas de suicídio entre eles) e seu papel na disseminação de teorias da conspiração facilitando a manipulação política.

Perfeito. O documentário expõe a possibilidade das pessoas se viciarem nas redes sociais de uma maneira comparável ao uso de drogas. Já do lado social, os sistemas de inteligência artificial podem ajudar na disseminação de notícias falsas e teorias da conspiração, facilitando a manipulação política, causando uma dramática polarização da sociedade, eliminadas quaisquer possibilidades de entendimento entre os dois lados do espectro político. E mais. Ao vermos a ultra complexa malha de equipamentos envolvida no processamento de informações pelas redes, trazemos a preocupação do cientista John Casti, ph.D, especialista nos estudos das teorias dos sistemas e da complexidade, em elencar um apagão na internet entre os onze eventos extremos que podem destruir a civilização a qualquer momento (“O Colapso de Tudo”, 2011, Editora Intrínseca Ltda.).

 

 Durante os créditos finais, os entrevistados recomendam uma série de contramedidas para se proteger contra os problemas das redes sociais. Recomendações:

(1)  Desligar ou reduzir o número de notificações que você recebe

(2)  Desinstalar aplicativos de redes sociais e notícias que desperdiçam seu tempo

(3)  Usar um buscador que não armazena o histórico de busca, como o Qwant

(4)  Usar extensões de navegador que bloqueiem recomendações

(5)  Checar fatos antes de compartilhar, curtir ou comentar

(6)  Obter fontes de informação com perspectivas diferentes, incluindo as que você poderia discordar

(7)  Não dê aparelhos celulares ou tablets para as crianças

(8)  Nunca aceite recomendações de vídeos no Youtube, Facebook ou outros lugares

(9)  Evite acessar qualquer material caça-cliques

 

Enfim, para ilustrar o assustador poder de bisbilhotagem das redes sobre nossos dados, sobre nossas vidas, didaticamente demonstrado no filme, conto o seguinte episódio. Uma prezada amiga conversou por voz, via WhatsApp, com uma filha que vive nos Estados Unidos. Sua filha contou que cultivava uma pequena horta em sua residência, na qual havia couve em abundancia, e que não sabia o que fazer com a hortaliça. Minha amiga retrucou que havia muitas receitas, e lhe passou uma delas. Pasmem: não demorou muito e, ao entrar no google, foi surpreendida com receitas de couve! Big Brother is watching you, profetizou George Orwell em seu icônico e profético livro “1984”.

 

 

José Antonio C. Silva

17/04/2024

 

https://oglobo.globo.com/opiniao/pablo-ortellado/coluna/2024/04/midias-sociais-produzem-geracao-ansiosa.ghtml  

https://oglobo.globo.com/blogs/daniel-becker/post/2024/04/o-exilio-da-infancia.ghtml 

https://pt.wikipedia.org/wiki/The_Social_Dilemma  

 

domingo, 30 de julho de 2023

O Feitiço da Técnica

 

O Feitiço da Técnica (2)

            O desenfreado avanço dos instrumentos da Inteligência Artificial me faz retornar ao tema, começando por duas matérias publicadas em jornal em 2022 e comentadas em minha crônica “O Feitiço da Técnica”, publicada em 22/07/22 neste blog, objeto da presente revisão.

Começaremos pelo artigo do jornalista Leo Aversa, intitulado “5G? Prefiro o meu Nokia de volta” (1). 

     Em um artigo inteligente e bem humorado, Aversa começa por ironizar a propaganda em torno da chegada ao Rio do 5G, e que seria chegada a hora de trocar o celular. “Além da supervelocidade – como vivi antes dela, me pergunto -, ao que parece o 5G vai conectar as coisas. Todas as coisas. Elas vão conversar entre si e resolver seus problemas de forma objetiva”. “Boa sorte para as coisas”, ironiza. E prossegue citando os alardeados benefícios trazidos pelo 5G. “Os filmes, as músicas, as mensagens terão um download mais rápido, avisam os reclames. Comunicação instantânea, exultam”. E, então, faz uma crítica extremamente percuciente: o problema nos dias atuais não é a falta de comunicação, mas, sim, o excesso! E se permite preferir que voltássemos ao 3G, ao 2G, ao G original. Já seria bastante para falar com quem se precisa e mandar mensagem para quem se quer. Sustenta, mesmo, que se poderia voltar para o Nokia tijolão que, especula, seria ½ G, mais do que suficiente para situações de emergência.

    Curiosamente, diversas vezes me surpreendi fazendo esse mesmo discurso. O tijolão, que os homens podiam exibir expostos, atados ao cinto, sem qualquer preocupação com o risco de assalto, foi útil para que meus filhos, na época frequentadores das baladas, pudessem pedir socorro a mim ou a minha esposa em caso de sufoco, ou simplesmente dar notícia sobre seu paradeiro. Em galopante transformação, o tijolão foi sendo substituído por artefatos de alta tecnologia, através dos quais se pode fazer quase tudo. Literalmente condensam praticamente toda a informação sobre as nossas vidas, fazendo com que eles se tornem o objeto preferido de bandidos cada vez mais ousados. Prudentemente, muitas pessoas já utilizam um celular de reserva para usar fora de casa, contendo apenas números de telefone de contatos próximos, um aplicativo UBER ou 99 e pouca coisa mais.

     Retornando ao artigo, Aversa se pergunta se não deveria deixar de reclamar da tecnologia, pois se estivesse escrevendo seu texto à máquina teria muito mais trabalho e gastaria muito mais tempo, ainda que o tec-tec-tec do batucar das teclas fosse inspirador e memorável a cena de arrancar o papel da máquina para conferir o texto. Neste ponto, parece que o articulista travou algum contato com uma apreciação do filósofo Martin Heidegger, como veremos a seguir. 

    Assim, recorrerei a Heidegger, que se preocupou com as alterações na vida cotidiana trazidas pelo uso das inovações tecnológicas. Zimmerman, em seu livro “O Confronto de Heidegger com a Modernidade” (2) toma como exemplo a máquina de escrever, que poderia ser considerada apenas um modo mais eficiente de escrever-se, mas que, no entanto, o filósofo considerava a eficiência como sendo uma medida errada para usar-se em matéria de avaliação da escrita. Para ele, escrever era essencialmente escrita à mão:

     Sabia [Heidegger] por experiência própria que o seu pensamento ocorria através da mão, enquanto escrevia. A escrita à máquina minou tanto o pensamento como a linguagem, porquanto a palavra já não vai e vem através da escrita e da mão que age automaticamente, mas antes da pressão mecânica que ela exerce [nas teclas da máquina]. A máquina de escrever separa a escrita do domínio essencial da mão, e, acrescente-se, da palavra (1990, p.308)                                                                                                                                                            

    Para Heidegger, conforme Zimmerman, as máquinas de escrever tinham a sua utilidade, por exemplo, para reproduzir e preservar coisas já escritas à mão, mas que não havia lugar para escrita à máquina em se tratando de correspondência pessoal. O filósofo considerava que, quando as máquinas de escrever apareceram, as pessoas sentiram-se insultadas por receberem cartas datilografadas. “A escrita à máquina esconde o caráter pessoal do autor da carta, contribuindo dessa forma para a homogeneização da humanidade” (HEIDEGGER apud ZIMMERMANN, 1990, p. 308). Neste ponto eu me permito dar o meu testemunho. Coleciono em meus guardados muitas dezenas de cartas à mão escritas há muitas décadas por velhos amigos e antigas namoradas, e em todas recebo mais do que as palavras em si. O tipo de papel usado, o formato das letras, os riscados, a firmeza ou a tibieza do traço, os erros ortográficos não capturados por um corretor de textos inexistente na época, tudo isso complementa a emoção que uma carta pessoal transmitia.

     O comentador escreve que a objeção de Heidegger à prática da escrita de cartas pessoais à máquina era compartilhada por muitos dos seus contemporâneos, e que, embora a máquina de escrever seja um sintoma da era tecnológica, o filósofo concede (apud ZIMMERMAN, 1990, p.308) “que ela não é ainda uma máquina no sentido estrito de tecnologia moderna, antes é um intermediário entre a ferramenta e a máquina, um mecanismo. A sua produção, todavia, é condicionada pela tecnologia de máquinas”.

     A máquina de escrever, por sua vez, foi substituída pelo processador de textos, este um lídimo produto da tecnologia moderna, um gigantesco passo além da escrita à máquina, que já representara um considerável avanço em relação à escrita à mão. Estamos mais uma vez diante de uma radical mudança de conceito de escrever, pois até mesmo o termo “processador de texto” sugere, conforme Zimmerman (1990, p.308), “um massagear, um moldar, uma gestão de palavras, como se elas fossem matéria prima - plástica”. Embora reconhecendo as inegáveis vantagens do processador de texto sobre a escrita à mão e a escrita à máquina (com o que estou de inteiro acordo, ainda que compreendendo as considerações de Heidegger) esse autor assinala que:

 Na medida em que as palavras produzidas pelo monitor não são ainda coisa alguma de permanente, antes meros padrões de elétrons, alguns utilizadores de processador de texto alegam sentir-se menos ansiosos ao escreverem nele, por sentirem-se menos comprometidos às palavras que apenas “processaram” (ZIMMERMAN, 1990, p.308).

     Retornando ao texto de Aversa, ele deixa claro que a sua queixa do telefone é sua onipresença, quando ele virou uma prótese do corpo humano. E o 5G somente aumentará o vício, a subjugação à técnica. E quais seriam as vantagens? Fake News se espalhando mais rapidamente, vídeos sem graça do WhatsApp circulando mais lépidos, tretas rolando frenéticas pelas reses socias, exemplifica. Eu acrescentaria as tentativas de golpe, as teorias da conspiração e o patrulhamento do politicamente correto entre os fenômenos que ganharão velocidade de transmissão. E aponto para o WhatsApp como a grande ferramenta de veloz propagação de irreflexões de toda ordem, em completa distorção de uma utilização sadia, como alternativa à mídia tradicional frequentemente bastante comprometida.

     A segunda matéria, relativamente recente, assim como a primeira (ambas de 2022), que me caiu aos olhos foi “Alexa, Siri, quem foi às compras sem eu pedir?” (3). A matéria trata de uma questão bastante preocupante, assustadora, mesmo, com o subtítulo “Crescem relatos de encomendas feitas por assistentes virtuais sem o aval dos clientes. Falha preocupa especialistas”. 

    Agora vamos tratar de problemas causados pelo uso de assistentes virtuais como a Alexa, da Amazon, a Siri, da Apple e o Google Assistant. Afinal, o que são esses assistentes virtuais? Alexa, por exemplo? Vamos recorrer ao link (4)

     “Alexa é o nome da assistente virtual da Amazon, introduzida em 2014 com a Echo, sua primeira caixa de som inteligente. Diferente do que Apple, Google e Microsoft faziam até então, com Siri, Google Assistente e Cortana, a Alexa já nasceu com foco em atender o usuário nas tarefas do dia a dia, principalmente se forem compras na loja.

     Assim como suas concorrentes a Alexa é uma assistente conversacional, capaz de entender contexto até certo ponto e executar tarefas simples, como configurar alarmes, informar a situação do trânsito ou a previsão do tempo, executar uma lista de músicas ou reproduzir podcasts. 

    Mas, por não estar atrelada a um sistema operacional, a Alexa é compatível com iPhone, Android, Windows e até consoles de videogame, além de ser capaz de se conectar a uma vasta gama de dispositivos de terceiros.

     Como funciona a Alexa?

     Basicamente, é necessária uma palavra de ativação para despertar a assistente e depois pedir o comando. Essa palavra de ativação pode ser configurada para “Alexa”, “Amazon” ou “Echo”. Assim, os microfones ficam sempre atentos para ouvir se o usuário vai executar um comando.

     Então, como nas demais assistentes virtuais, quando a palavra de ativação é dita, basta prosseguir com a solicitação. Exemplo: Alexa, defina um alarme para amanhã, às 3 da tarde. 

    Esses pedidos são gravados e enviados para os servidores da Amazon, nos quais é feito o processamento da solicitação e, depois, devolvidos ao usuário. Tudo acontece rapidamente. 

    O que a assistente da Amazon consegue fazer? A Alexa pode interagir com dispositivos tais como geladeiras, lâmpadas inteligentes, micro-ondas, fechaduras, termostatos, controles remotos, TVs, sensores de movimento, interruptores, entre outros. Tanto por comandos de voz ditos pelos usuários quanto por interação com os aplicativos dedicados à automação de tarefas, como o IFTTT.

     Falando na Amazon, a Alexa é capaz de fazer pedidos de compras: caso o usuário mantenha dados financeiros em sua conta, ele pode usar comandos de voz e pedir que a assistente compre produtos cotidianos. Em 2017, ela passou a aceitar pedidos de comida em redes como Starbucks, Domino’s Pizza e Pizza Hut, entre outras.

     Além disso, no app, é possível usar algumas habilidades criadas por terceiros — as chamadas skills –, aumentando a gama de funções disponíveis nos dispositivos Echo.” Enfim, dentre muitas outras coisas, Alexa é capaz de fazer pedidos de compras... [na minha crônica original eu dava alguns exemplos comprovados da Alexa agindo por conta própria] “. E de fazer exercícios escolares para estudantes, que não aprenderão as noções mais básicas de aritmética, da língua portuguesa e do que mais seja. O que esperar dos futuros profissionais assim “ensinados”?

    A questão é séria. Está reportado que uma pesquisa recente elaborada pelo grupo americano de investimento Loup Ventures mostrou que as assistentes virtuais não compreendem parte dos comandos. Submetidas a um teste de 800 perguntas, a Google Assistant respondeu a 88% das perguntas, a Siri a 75% e, por fim, a Alexa a 72%. Quando as assistentes virtuais passam a tomar decisões por conta própria fica muito clara a necessidade de reforçar seus sistemas de segurança. Mas, ao que tudo indica, a prioridade do avanço tecnológico é com a velocidade. E surge a mais recente e assustadora novidade tecnológica, deixando Alexa e congêneres como brincadeira de criança: O ChatGPT.

            ChatGPT é um chatbot com inteligência artificial (IA) que interage com humanos e fornece soluções em texto para diferentes questionamentos e solicitações. Desenvolvido pela OpenAI, o software é capaz de criar histórias, responder a dúvidas, aconselhar, resolver problemas matemáticos e muito mais — tudo isso com uma linguagem fluida e natural, semelhante à humana. O chatbot se tornou bem popular nos últimos meses, chegando a atingir a marca de um milhão de usuários em apenas uma semana de lançamento. É possível acessar o site do ChatGPT em navegadores do computador ou de celulares após um simples cadastro.

Diversos comandos podem ser usados com o ChatGPT a fim de explorar as milhares de possibilidades do robô. Quer saber o que é ChatGPT, como fazer login e como usar? O TechTudo preparou um guia completo sobre o chatbot da OpenAI para que você aprenda prompts úteis para serem usados com a IA e utilidades do chat no dia a dia. Conheça também perigos e controvérsias da plataforma e veja se há formas ou não de ganhar dinheiro com ela (...) (5).

“Desafio de regular inteligência artificial não tem paralelo.” Este é o título de matéria publicada na seção Opinião do GLOBO, de 26/02/23, pág. 2. A matéria discorre sobre os avanços da IA e suas implicações na sociedade, terminando por alertar que a nova realidade tornará mais salientes os dilemas éticos inerentes à IA. E questiona: “O que acontecerá se ela for usada para cometer mais crimes? A quem devem pertencer os direitos sobre o que for produzido? Como zelar por um ambiente competitivo que não reproduza a ameaça dos monopólios digitais? Como garantir a evolução da tecnologia com o mínimo de riscos para seus usuários, para a sociedade, para as instituições? Essas são apenas as questões mais evidentes. Juridicamente será preciso adotar critérios para regular os direitos autorais, a responsabilidade civil (e mesmo criminal) e o modelo de negócios subjacente ao uso dos robôs. Tal regulação impõe um teste inédito para a inteligência humana.”

Em artigo intitulado “Mary Shelley versus ChatGPT” (6), é relatada uma entrevista feita por um jornalista com este software de Inteligência Artificial (IA). Ele permite que um computador acumule informações sobre tudo e as retrabalhe, sendo capaz de escrever um artigo de jornal sobre qualquer tema. O jornalista tratou o software como um “entrevistado”, questionando-o sobre suas possibilidades e suas limitações. E ainda sobre suas respostas serem tratadas como material original ou simples plágio. O software teria se saído extremamente bem na entrevista, reconhecendo, contudo, sua vulnerabilidade caso alimentado por informações falsas. Igualmente assumiu sua incapacidade de julgar fatores subjetivos e reconhecer sua total falta de sensibilidade.

Ao pensar na entrevista, o articulista lembrou-se do célebre romance “Frankenstein”, escrito por Mary Shelley em 1818, e cujo tema é a crítica aos excessos das teses materialistas do Iluminismo e à onipotência da Razão. Um mundo super-racional perde as características de sua humanidade. Recordemos o livro, inspirador de tantas películas de Hollywood. Segue o artigo. Frankenstein é um médico que se refugia em um castelo isolado e cria, a partir de partes recolhidas de diverso cadáveres, um ser artificial que ele denomina “A Criatura”. Consegue infundir vida nele através da passagem de uma corrente elétrica, desperta a Criatura e lhe transmite todos os conhecimentos então disponíveis. O resultado é desastroso. A Criatura foge de Frankenstein e passa a cometer crimes hediondos. Frankenstein sai à sua procura e, quando finalmente a encontra dela escuta: “Você é o meu criador, mas eu sou o seu Senhor!” Eloquente metáfora, escrita há 200 anos!, para ilustrar os riscos à que estamos nos expondo. Curiosamente, a Criatura não somente cometeu crimes hediondos, acabando por causar a morte de seu criador, como roubou o seu próprio nome, pois muitas pessoas chamam a Criatura pelo nome de seu Criador, Frankenstein.

Outra matéria publicada em jornal (7), “Chat GPT gera fake news mais convincentes”, com o subtítulo “Experimento com 697 voluntários aponta que tecnologia pode produzir tanto informação precisa quanto conteúdo enganoso de forma mais eficiente que humanos; maioria não distinguiu textos da ferramenta.” Relata-se o resultado de uma experiência realizada com 697 voluntários submetidos a tuites noticiosos escritos por humanos e pelo ChatGPT. Resultado? As fake news criadas pelo robô foram avaliadas como com mais frequência.

As tecnologias de inteligência artificial, como qualquer outra inovação, podem ser usadas para fins positivos ou negativos, dependendo da maneira como são implementadas e controladas. É responsabilidade dos criadores e usuários de inteligência artificial garantir que ela seja usada de maneira ética, segura e benéfica para a sociedade como um todo.

Os debates em torno da inteligência artificial e seus impactos na sociedade são importantes e devem ser abordados de maneira cuidadosa e responsável. As preocupações legítimas sobre privacidade, segurança, emprego e outros aspectos devem ser consideradas e abordadas para garantir o uso responsável dessa tecnologia.

Resolvi consultar o próprio ChatGPT lhe dirigindo seguinte pergunta: “Você representa uma ameaça para a humanidade?”

“Como inteligência artificial, eu sou apenas um programa de computador criado para fornecer informações e responder a perguntas. Não tenho intenções, emoções ou capacidade de representar perigo para a humanidade. Minha existência é regida por código de programação e pelos princípios éticos e de segurança implementados pelos criadores.”

Impressionante como ele foi capaz de identificar prontamente quem representa a ameaça à Humanidade: o próprio ser humano, seu criador. Ele mesmo, o inventor da dinamite, o promotor da fissão nuclear, que possibilitou a fabricação das bombas atômicas (Robert Oppenheimer, considerado “O pai da bomba atômica”, após a explosão de um teste bem sucedido no deserto, exclamou:  "Agora me tornei a Morte, o destruidor de mundos", o avião, transportador de passageiros, mas, também, de artefatos explosivos e incendiários, e uma infinidade de outras criações humanas, extremamente úteis quando utilizadas para o bem, mas, escusado falar sobre os terríveis efeitos quando utilizadas com fins maléficos.

Terminando nossas considerações sobre o ChatGPT, constatamos que ele é realmente capaz de coletar informações já disponíveis nos mais diversos meios e de produzir textos a partir delas. Mas ele não é capaz de criar nada novo. Assim sendo, quando a nova geração, viciada pela Inteligência Artificial, não for mais capaz de produzir nada de novo, em qualquer ramo, o ChatGPT consequentemente não terá nada novo a acrescentar àquilo que já respondeu.

     Finalizando. São considerações de obscurantistas? De luditas? Sou eu mesmo um ludita? Se sou, estou em boa companhia. John Casti, ph.D., especializado nos estudos das teorias dos sistemas e da complexidade, e que relaciona em seu livro “O Colapso de tudo” (8) UM APAGÃO NA INTERNET entre onze alarmantes – e prováveis – situações que podem arrastar o mundo para uma idade das trevas; Martin Rees, ex-Presidente da Associação Britânica para o Avanço da Ciência, e autor de um livro com um título assustador: “Our Final Century” (9) (Nosso derradeiro século); Jaron Lanier, filósofo da computação, e um dos precursores da internet e da realidade virtual, autor do livro “Dez razões para você deletar agora as suas redes sociais” (10), naturalmente um exagero polêmico, no intuito de dramatizar a dependência da internet, de darmos um tempo para reflexão.

O que fazer? Retornemos a Martin Heidegger, que, embora veemente crítico do abuso da tecnologia, afirmava que podemos ter uma outra relação com os objetos técnicos, que podemos utilizá-los e, ao utilizá-los, permanecer ao mesmo tempo livres deles, de forma que possamos a qualquer momento largá-los, utilizá-los como devem ser utilizados: 

     Podemos dizer “sim” à utilização inevitável dos objetos técnicos e podemos ao mesmo tempo dizer “não”, impedindo que nos absorvam e, desse modo, verguem, confundam e, por fim, esgotem a nossa natureza (Wesen). SERENIDADE (11) 

     A esta atitude de deixar os objetos técnicos entrarem em nosso mundo cotidiano e, ao mesmo tempo, deixá-los fora, do sim e do não em relação a eles, o filósofo designa como a Serenidade para com as coisas. Trata-se de usufruir da tecnologia sem ficar-se restrito, dominado por ela. Simples assim, se me permitem o anglicismo.

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(1) O GLOBO. Edição de 19/07/2022. Segundo Caderno, Pag. 6.

(2) ZIMMERMAN, Michael E. Confronto de Heidegger com a Modernidade – Tecnologia/Política/ Arte. Lisboa: Instituto Piaget, 1990. Pag.308

(3) O GLOBO. Edição de 17/07/2022. Caderno Economia, Pag.22.

(4) https://tecnoblog.net/responde/o-que-e-a-alexa-ou-melhor-quem-e/

(5) https://www.techtudo.com.br/guia/2023/03/chatgpt-o-que-e-e-como-usar-veja-o-guia-completo-do-chatbot-da-openai-edsoftwares.ghtml

(6) ALQUÉRES, José Luiz. Mary Shelley versus ChaptGPT . O GLOBO, ---

(7) O GLOBO, Edição de 29/06/2021. POLÍTICA, Pag.5

(8) CASTI, John. O Colapso de Tudo. Rio de Janeiro: Editora Intrínseca ltda, 2012.

(9) REES, Martin. Our Final Century. United Kingdon: Arrow Books,2004

(10) LANIER, Jaron. Dez Argumentos para você deletar agora as suas redes sociais.

(11) HEIDEGGER, Martin. Serenidade. Lisboa: Instituto Piaget, 1959. Pag.23  

José Antonio C. Silva 31/07/2023

quarta-feira, 31 de maio de 2023

Bombom de cereja com licor

 

Bombom de Cereja com Licor

 

Tinha a forte tendência a acreditar que, dentre as inúmeras causas para o país não funcionar estava o excesso de leis. Mas, afinal, o que é uma lei? Resolveu se aprofundar um pouco no tema. E pesquisou:

 “No sentido jurídico, a lei é uma norma, uma ordem, uma regra geral de conduta, que exprime a vontade imperativa de um Estado e à qual todos os seus cidadãos devem se submeter, podendo mesmo ser punidos em caso contrário. Ainda que você desconheça uma lei, isso não lhe dá o direito de desobedece-la. Precisamente por isso, vale a pena ter alguma noção do que é o ordenamento jurídico brasileiro – ou seja, o conjunto de leis que normatizam nossas vidas. Conhecê-las é o oficio dos advogados, mas ter um conhecimento mínimo delas é o que permite a qualquer um o bom exercício da cidadania.” (1)

Continuou lendo: “Naturalmente, não se trata de uma questão simples, mesmo porque o ordenamento jurídico em vigor, segundo estudo do ministro Ives Gandra Filho, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), é composto por 34 mil regras legais. São 10.204 leis ordinárias, 105 leis complementares, 5.834 medidas provisórias, 13 leis delegadas, 11.680 decretos-leis, 322 decretos do governo provisório e 5.840 decretos do poder Legislativo.”

Estremeceu. Mas, sabia que isso não era tudo. O texto prosseguia. “Obscuridade e contradições – Para piorar, é um consenso entre os juristas que se trata de milhares de textos obscuros, muitos inconsistentes, vários repetitivos ou contraditórios, com o agravante de existirem polêmicas sobre o que ainda está ou não em vigor, porque os legisladores costumam abusar do célebre “revogam-se as disposições em contrário” ao encerrar o texto de uma lei. É também em função disso que nossa Justiça é lenta e certas causas podem-se arrastar nos tribunais durante décadas. Sem falar nas diversas brechas que existem nesse ordenamento desordenado, as quais acabam possibilitando a impunidade, um dos mais graves problemas brasileiros. A solução para tudo isso só pode ocorrer gradualmente, com reformas e aperfeiçoamento da legislação.”

Impunidade. Criar dificuldades para vender facilidades. Isso particularmente o indignava. Juízes, advogados, peritos, fiscais, policiais etc. muito frequentemente utilizavam-se dessas brechas no cipoal de leis para absolver criminosos ou, pior ainda, para condenar e prender inocentes de acordo com a sua conveniência. Um notório advogado declarou certa feita que preferia defender um culpado do que um inocente. Isso porque o culpado aceitaria uma versão preparada por ele, advogado, e que, embora forjada, pareceria verossímil ao julgador, resultando na absolvição do réu. Já o inocente insistiria em manter a sua versão, verdadeira, mas que pareceria inverossímil ao julgador, resultando em sua condenação. Ou seja, um advogado que julgava seu compromisso com o cliente acima do compromisso com a sociedade.

Postura radicalmente inversa daquela adotada pelo advogado Heráclito Sobral Pinto, ícone da advocacia nacional, nos idos de 1944, quando lhe foi pedido pelo então famoso poeta, e seu amigo, Augusto Frederico Shmidt que o defendesse em uma causa. Surpreso pela condição imposta pelo amigo para aceitar a causa - examinar antes todo o processo -, o poeta retrucou: “Advogado não é juiz!” ao que o grande advogado respondeu: “O primeiro e mais fundamental dever do advogado é ser o juiz inicial da causa que lhe levam para patrocinar. Incumbe-lhe, antes de tudo, examinar minuciosamente a hipótese para ver se ela é realmente defensável em face dos preceitos da justiça. Só depois de que eu me convenço de que a justiça está com a parte que me procura é que me ponho à sua disposição.” (...) (2).

Tudo isso o horrorizava, justamente ele que procurara sempre pautar a sua conduta na obediência às leis, por mais difícil que fosse não afrontar alguma delas por simples desconhecimento.

Eis que foi promulgada a chamada “Lei Seca”, o que lhe pareceu mais do que justo, algum freio teria que ser imposto aos bêbados ao volante ameaçando vidas. A letra da lei era dura, ele decidiu que a partir de então ele não tomaria uma taça de vinho sequer em dia em que fosse conduzir o seu carro, não importa quantas horas após. Em um delírio, imaginava que um guarda de trânsito havia sido especificamente designado para fiscalizá-lo, aonde quer que ele se dirigisse. Era paranoia, evidentemente, mas que o mantinha a salvo dos rigores da lei. E assim decorreram os anos, sem que uma vez sequer ele fossa parado nas centenas de blitzes montadas aleatoriamente nas ruas para flagrar infratores.

Dirigia com todo o cuidado. O trânsito, como de resto praticamente tudo no país, estava infernal, bêbados ou não, em alarmante proporção, os condutores de veículos desrespeitavam as mais elementares regras de trânsito. Eis que, para sua enorme surpresa, foi parado, pela primeira vez na vida, numa blitz da Lei Seca. Estava absolutamente, tranquilo, sua última ingestão de álcool se dera na véspera, duas taças de vinho. O policial lhe explicou que era seu direito recusar-se a fazer o teste do chamado bafômetro, mas que, neste caso, ele teria sua CNH confiscada por um ano e pagaria pesada multa. Mas, caso decidisse fazer o teste, e este desse positivo, ele seria preso. Não teve dúvidas em soprar o bafômetro. Quase teve um colapso. Seu teste deu positivo! Como era possível? Argumentou com os policiais que não ingerira qualquer bebida alcoólica naquele dia. A única coisa que continha álcool que ele comera antes de sair com o carro fora um Bombom de cereja com licor! Bradou. Os guardas se entreolharam, em deles sentenciou: “Foi aí que o senhor se deu mal. Devia saber que o teor de álcool permitido para exercer a direção é praticamente zero!”, e já foi sacando as algemas para prender o delinquente.

------------------------------------------------------------------------------------------Nota: Bombom, assim como a trufa, nada mais é que um doce composto por um recheio que é envolto por uma camada de chocolate. No caso do bombom de licor, esse recheio contém algum tipo de licor, uma bebida alcoólica que geralmente tem ervas ou frutas em sua composição (...)

A ligação entre bombom de licor e lei seca está justamente no fato de o doce possuir essa bebida alcoólica em seu recheio. O problema é que a legislação quanto à bebida + direção é tão rigorosa que não permite que o motorista seja flagrado com nenhum vestígio de álcool em seu organismo.

Isso começou com a Lei Nº 11.705/2008, que alterou os artigos 165 e 276 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB). (...) Leia mais em (3)

 

(1)  https://educacao.uol.com.br/disciplinas/cidadania/legislacao-mais-de-34-mil-leis-ordenam-a-vida-dos-brasileiros.htm 

 

(2)  https://luizberto.com/as-soberbas-licoes-de-sobral-pinto/

 

(3)https://g1.globo.com/rn/rio-grande-do-norte/noticia/2013/01/bombom-de-licor-provoca-teor-de-embriaguez-em-teste-feito-em-natal.html

 

José Antonio C. Silva

28/05/2023

sábado, 15 de abril de 2023

A RE-evolução dos Bichos (conto de Claudio Lacet)

 

Introdução ao conto a RE-evolução dos Bichos, de Claudio Lacet

Em uma certa manhã conversávamos placidamente em minha casa eu e meu amigo Claudio Lacet sobre temas variados, desde o famigerado vírus – Covid 19, até a crueldade dos humanos com os animais. Eu lhe falei da minha ideia de escrever um conto em que começaria com uma festa na savana africana, com os animais, caça e caçadores, alegremente se confraternizando. O motivo teria sido o completo extermínio da raça humana causado por um vírus muitíssimo mais letal que o Covid. Seria uma trégua de uma semana, após a qual as relações entre os animais voltariam àquelas ditadas pela natureza. Qual não foi a minha surpresa quando, já na tarde daquele dia, o meu amigo, rápido no gatilho, me exibiu o conto que se segue, irretocável, e que estou postando a seguir.

A Re-evolução dos Bichos

(Autor: Claudio Lacet)

Num átimo avistou-se o pulo que o leão deu na zebra, bote certeiro. Mas não se tratava de um ataque e sim de um gesto de confraternização. Abraçavam-se como grandes amigos que há tempos não se viam. A leoa dançava can-can de braços entrelaçados com quatro hienas. A cascavel e o rato papeavam alegremente enquanto o novilho beijava alegremente uma sucuri.

Não havia rancores, nem nenhuma competição. Ninguém estava preocupado se era dia da caça ou do caçador. Muito menos queriam saber quem estava mais ou menos adaptado àquela região.

Mais e mais animais chegavam à festa. Convescote este que se repetia em todos os biomas e continentes do globo. Até na Antártica. Da savana africana o leão havia transmitido a ordem a todo o planeta: sete dias de confraternização e trégua entre todos os bichos que existem. O motivo? Como já havia advertido Camus, o ser humano mal havia se livrado de uma pandemia e comemorava a cura enquanto algo muito pior estava por surgir. Veio a nova peste que o eliminou de forma definitiva do planeta.

Durante a festa o jacu comentou:

- O homem se dizia o mais inteligente e humano dos animais, mas, se conseguia constantemente maltratar e matar os seus próprios semelhantes por pura maldade, ganância ou negligência, imagina o que ele acabava por fazer com outros animais? Algum dia a conta chegaria.

E a festa seguia. Cada vez mais e mais animada. Um bicho mais feliz que o outro. Mas de todos o mais alegre era, sem sombra de dúvida o sisudo corvo. Há anos não dava um sorriso, desde a morte da sua saudosa corva Lenora, outrora morta atropelada, jazendo buarquemente na contramão da estrada,  atrapalhando o trânsito. Mas naquele dia revoava, como um louco, de um lado para o outro, e gargalhava alegremente, e, com muito gosto, repetia, num grito que saia lá de dentro de sua nobre alma: “NEVERMORE, NEVERMORE”.

Postado aqui no blog, em 15/04/23, com o consentimento do autor.

------------------------------------------------------------------------------------------Notas (por José Antonio). Para os não lembrados ou que desconhecem certas citações do texto:

1-     Buarquemente na contramão da estrada, atrapalhando o trânsito – remete à genial composição de Chico Buarque de Holanda “Construção”.

2-     Camus- Albert Camus, em seu livro “A Peste”

3-     A corva Lenora – do imortal poema “O Corvo”, de Edgard Allan Poe

terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

LINA

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LINA

 

Dia 18 de novembro de 2022. Meu filho Cristiano, residindo em São Paulo, onde trabalha na administração de um shopping, passava uma temporada de um mês aqui conosco, no Rio, designado para auxiliar na conclusão dos trabalhos de um novo shopping, da mesma cadeia. A inauguração foi um sucesso, ele e todos nós ficamos orgulhosos.

Cristiano pediu então à mãe que escolhesse um local bem especial, para tomarmos uns drinks e comermos uns petiscos. Sua esposa Priscilla, vinda de São Paulo, também participaria. Edna então escolheu um bar no Hotel Fairmont, ao final da Praia de Copacabana, de onde se descortinava uma belíssima vista.

Abro aqui um parêntese para anotar que foi justamente naquele hotel onde, em janeiro de 1980 (na época se chamava Rio Palace), Frank Sinatra se apresentou durante às noites dos dias 22,23, 24 e 25, para culminar com o monumental show no sábado, dia 26, no Maracanã.  Aquelas apresentações no hotel foram a preço altíssimo, tanto que eu, grande fã do artista, optei por não comparecer, circunstancia da qual iria me arrepender. Mas, é claro, ao Maracanã eu compareci, junto aos meus pais, um casal de amigos e a Edna, que carregava em sua barriga aquela que pouco menos de um mês após viria ao mundo, a nossa maravilhosa filha Juliana. De alguma forma ela deve ter captado, lá no ventre da mãe, a magia transmitida pelo “The Voice”, pois ela viria a ser sua admiradora.

Voltemos à noite do encontro com o nosso filho e esposa. Pareciam particularmente felizes. Solicitei a carta de bebidas. A variedade era grande, pedi conselho ao Cristiano, bastante atualizado nos drinks em moda. Ele sorriu e disse que já havia escolhido o dele. Imaginei algo a base de Gin. Foi com surpresa que o garçom chegou portando um balde dentro do qual se encontrava uma garrafa de champagne. Aprovei a escolha, e ele logo se apressou em abrir a garrafa e encher as nossas taças. Brinde feito, o casal passou às mãos da Edna uma caixa dentro da qual havia um sapatinho. Fiquei alguns instantes sem compreender o sentido daquilo, diferentemente da Edna, que imediatamente entendeu que era o anúncio de uma gravidez, de um bebê a caminho. Total surpresa para nós, pai e mãe, que tínhamos como fechada a conta em nossos queridos netinhos: Rafael e Felipe, ambos filhos da Juliana.

Olhei para o Cristiano. Ostentava um ar de felicidade como, creio, jamais ter visto nele. Olhava para sua esposa com enorme carinho, e era integralmente correspondido. Sorvemos as taças de champagne e passamos momentos maravilhosos.

Logo retornaram às suas atividades em São Paulo. Ansiosos, todos nós aguardávamos o resultado do exame que iria definir o sexo do bebê. Apostas para os dois lados, finalmente no dia 19 de dezembro chegou a mensagem: era menina! Já tinha até nome: Lina. Muito bom.

Chegava o final de ano e o Réveillon. De volta ao Rio, o feliz casal juntou-se à familiares para apreciar a queima do fogos em Copacabana do alto de um hotel em frente à praia. Juntava-se ao grupo cinco participantes vindos diretamente da Itália: minha sobrinha Anna Paula, seu marido Agostino, suas filhas Chiara e Francesca e o filho Federico. E a minha irmã Suely, motivo principal da viagem de Anna, sua filha. Terminávamos, assim, felizes, um ano difícil sob muitos aspectos.

2023. Escrevo estas linhas no período do Carnaval, do qual me mantenho afastado. Aos poucos Lina vai ganhando presentes, todos mostrando muito carinho pelo bebezinho que está a caminho. Já se prepara o “chá de bebê” para março. Ela vai compor com os priminhos Rafael e Felipe um trio de muita alegria a todos: pais, avós paternos e maternos – os muito prezados Gil e Eunice-, tios, primos etc.

Coloco um ponto final nesta crônica hoje, dia 21 de fevereiro, dia de aniversário da nossa amada filha Juliana, comemorando com o Carlos- seu marido e pai dos netinhos-, minha irmã Suely e um casal de prezados amigos, Claudio e Fiorella, que também, por grande coincidência, também aniversaria hoje.

Feliz 2023 para todos!

21/02/2023

sexta-feira, 22 de julho de 2022

O Feitiço da Técnica

                                                O Feitiço da Técnica 

     Duas matérias recém publicadas em jornal me fizeram retornar a um tema extremamente recorrente em meus escritos: o feitiço exercido pela Técnica sobre o homem. Começaremos pelo artigo do jornalista Leo Aversa, intitulado “5G? Prefiro o meu Nokia de volta” (1). 

     Em um artigo inteligente e bem humorado, Aversa começa por ironizar a propaganda em torno da chegada ao Rio do 5G, e que seria chegada a hora de trocar o celular. “Além da supervelocidade – como vivi antes dela, me pergunto -, ao que parece o 5G vai conectar as coisas. Todas as coisas. Elas vão conversar entre si e resolver seus problemas de forma objetiva”. “Boa sorte para as coisas”, ironiza. E prossegue citando os alardeados benefícios trazidos pelo 5G. “Os filmes, as músicas, as mensagens terão um download mais rápido, avisam os reclames. Comunicação instantânea, exultam”. E, então, faz uma crítica extremamente percuciente: o problema nos dias atuais não é a falta de comunicação, mas, sim, o excesso! E se permite preferir que voltássemos ao 3G, ao 2G, ao G original. Já seria bastante para falar com quem se precisa e mandar mensagem para quem se quer. Sustenta, mesmo, que se poderia voltar para o Nokia tijolão que, especula, seria ½ G, mais do que suficiente para situações de emergência. Curiosamente, diversas vezes me surpreendi fazendo esse mesmo discurso. O tijolão, que os homens podiam exibir expostos, atados ao cinto, sem qualquer preocupação com o risco de assalto, foi útil para que meus filhos, na época frequentadores das baladas, pudessem pedir socorro a mim ou a minha esposa em caso de sufoco, ou simplesmente dar notícia sobre seu paradeiro. Em galopante transformação, o tijolão foi sendo substituído por artefatos de alta tecnologia, através dos quais se pode fazer quase tudo. Literalmente condensam praticamente toda a informação sobre as nossas vidas, fazendo com que eles se tornem o objeto preferido de bandidos cada vez mais ousados.

     Prosseguindo, Aversa se pergunta se não deveria deixar de reclamar da tecnologia, pois se estivesse escrevendo seu texto à máquina teria muito mais trabalho e gastaria muito mais tempo, ainda que o tec-tec-tec do batucar das teclas fosse inspirador e memorável a cena de arrancar o papel da máquina para conferir o texto. Neste ponto, parece que o articulista travou algum contato com uma apreciação do filósofo Martin Heidegger, como veremos a seguir. 

    Assim, recorrerei a Heidegger, que se preocupou com as alterações na vida cotidiana trazidas pelo uso das inovações tecnológicas. Zimmerman, em seu livro “O Confronto de Heidegger com a Modernidade” (2) toma como exemplo a máquina de escrever, que poderia ser considerada apenas um modo mais eficiente de escrever-se, mas que, no entanto, o filósofo considerava a eficiência como sendo uma medida errada para usar-se em matéria de avaliação da escrita. Para ele, escrever era essencialmente escrita à mão:
    
     Sabia [Heidegger] por experiência própria que o seu pensamento ocorria através da mão, enquanto escrevia. A escrita à máquina minou tanto o pensamento como a linguagem, porquanto a palavra já não vai e vem através da escrita e da mão que age automaticamente, mas antes da pressão mecânica que ela exerce [nas teclas da máquina]. A máquina de escrever separa a escrita do domínio essencial da mão, e, acrescente-se, da palavra (1990, p.308)                                                                                                                                                            
     Para Heidegger, conforme Zimmerman, as máquinas de escrever tinham a sua utilidade, por exemplo, para reproduzir e preservar coisas já escritas à mão, mas que não havia lugar para escrita à máquina em se tratando de correspondência pessoal. O filósofo considerava que, quando as máquinas de escrever apareceram, as pessoas sentiram-se insultadas por receberem cartas datilografadas. “A escrita à máquina esconde o caráter pessoal do autor da carta, contribuindo dessa forma para a homogeneização da humanidade” (HEIDEGGER apud ZIMMERMANN, 1990, p. 308). Neste ponto eu me permito dar o meu testemunho. Coleciono em meus guardados muitas dezenas de cartas à mão escritas há muitas décadas por velhos amigos e antigas namoradas, e em todas recebo mais do que as palavras em si. O tipo de papel usado, o formato das letras, os riscados, a firmeza ou a tibieza do traço, os erros ortográficos não capturados por um corretor de textos inexistente na época, tudo isso complementa a emoção que uma carta pessoal transmitia.

     O comentador escreve que a objeção de Heidegger à prática da escrita de cartas pessoais à máquina era compartilhada por muitos dos seus contemporâneos, e que, embora a máquina de escrever seja um sintoma da era tecnológica, o filósofo concede (apud ZIMMERMAN, 1990, p.308) “que ela não é ainda uma máquina no sentido estrito de tecnologia moderna, antes é um intermediário entre a ferramenta e a máquina, um mecanismo. A sua produção, todavia, é condicionada pela tecnologia de máquinas”.

     A máquina de escrever, por sua vez, foi substituída pelo processador de textos, este um lídimo produto da tecnologia moderna, um gigantesco passo além da escrita à máquina, que já representara um considerável avanço em relação à escrita à mão. Estamos mais uma vez diante de uma radical mudança de conceito de escrever, pois até mesmo o termo “processador de texto” sugere, conforme Zimmerman (1990, p.308), “um massagear, um moldar, uma gestão de palavras, como se elas fossem matéria prima - plástica”. Embora reconhecendo as inegáveis vantagens do processador de texto sobre a escrita à mão e a escrita à máquina (com o que estou de inteiro acordo, ainda que compreendendo as considerações de Heidegger) esse autor assinala que:

 Na medida em que as palavras produzidas pelo monitor não são ainda coisa alguma de permanente, antes meros padrões de elétrons, alguns utilizadores de processador de texto alegam sentir-se menos ansiosos ao escreverem nele, por sentirem-se menos comprometidos às palavras que apenas “processaram” (ZIMMERMAN, 1990, p.308).

     Retornando ao texto de Aversa, ele deixa claro que a sua queixa do telefone é sua onipresença, quando ele virou uma prótese do corpo humano. E o 5G somente aumentará o vício, a subjugação à técnica. E quais seriam as vantagens? Fakenews se espalhando mais rapidamente, vídeos sem graça do WhatsApp circulando mais lépidos, tretas rolando frenéticas pelas reses socias, exemplifica. Eu acrescentaria as tentativas de golpe, as teorias da conspiração e o patrulhamento do politicamente correto entre os fenômenos que ganharão velocidade de transmissão. E aponto para o WhatsApp como a grande ferramenta de veloz propagação de irreflexões de toda ordem, em completa distorção de uma utilização sadia, como alternativa à mídia tradicional frequentemente bastante comprometida.

     A segunda recente matéria que me me caiu aos olhos foi “Alexa, Siri, quem foi às compras sem eu pedir?” (3). A matéria trata de uma questão bastante preocupante, assustadora, mesmo, com o subtítulo “Crescem relatos de encomendas feitas por assistentes virtuais sem o aval dos clientes. Falha preocupa especialistas”. 

    Agora vamos tratar de problemas causados pelo uso de assistentes virtuais como a Alexa, da Amazon, a Siri, da Apple e o Google Assistant. Afinal, o que são esses assistentes virtuais? Alexa, por exemplo? Vamos recorrer ao link (4)

     “Alexa é o nome da assistente virtual da Amazon, introduzida em 2014 com a Echo, sua primeira caixa de som inteligente. Diferente do que Apple, Google e Microsoft faziam até então, com Siri, Google Assistente e Cortana, a Alexa já nasceu com foco em atender o usuário nas tarefas do dia a dia, principalmente se forem compras na loja.

     Assim como suas concorrentes a Alexa é uma assistente conversacional, capaz de entender contexto até certo ponto e executar tarefas simples, como configurar alarmes, informar a situação do trânsito ou a previsão do tempo, executar uma lista de músicas ou reproduzir podcasts. 

    Mas, por não estar atrelada a um sistema operacional, a Alexa é compatível com iPhone, Android, Windows e até consoles de videogame, além de ser capaz de se conectar a uma vasta gama de dispositivos de terceiros.

     Como funciona a Alexa?

     Basicamente, é necessária uma palavra de ativação para despertar a assistente e depois pedir o comando. Essa palavra de ativação pode ser configurada para “Alexa”, “Amazon” ou “Echo”. Assim, os microfones ficam sempre atentos para ouvir se o usuário vai executar um comando.

     Então, como nas demais assistentes virtuais, quando a palavra de ativação é dita, basta prosseguir com a solicitação. Exemplo: Alexa, defina um alarme para amanhã, às 3 da tarde. 

    Esses pedidos são gravados e enviados para os servidores da Amazon, nos quais é feito o processamento da solicitação e, depois, devolvidos ao usuário. Tudo acontece rapidamente. 

    O que a assistente da Amazon consegue fazer? A Alexa pode interagir com dispositivos tais como geladeiras, lâmpadas inteligentes, micro-ondas, fechaduras, termostatos, controles remotos, TVs, sensores de movimento, interruptores, entre outros. Tanto por comandos de voz ditos pelos usuários quanto por interação com os aplicativos dedicados à automação de tarefas, como o IFTTT.

     Falando na Amazon, a Alexa é capaz de fazer pedidos de compras: caso o usuário mantenha dados financeiros em sua conta, ele pode usar comandos de voz e pedir que a assistente compre produtos cotidianos. Em 2017, ela passou a aceitar pedidos de comida em redes como Starbucks, Domino’s Pizza e Pizza Hut, entre outras.

     Além disso, no app, é possível usar algumas habilidades criadas por terceiros — as chamadas skills –, aumentando a gama de funções disponíveis nos dispositivos Echo.” Enfim, dentre muitas outras coisas, 

    Alexa é capaz de fazer pedidos de compras. E foi o que ela fez, segundo a referida matéria publicada no jornal, só que o fez por conta própria, sem ter sido solicitada pelo seu usuário. Estão relatados diversos casos dessa independência desses assistentes virtuais. Uma senhora, em mudança do Rio para São Paulo, relata ter recorrido à Siri para organizar as compras para o novo endereço. Dois meses depois foi surpreendida com uma compra repetida de pratos, copos e outros apetrechos para a casa cobrada em seu cartão. Duas semanas mais tarde, nova surpresa: a compra de uma passagem aérea para o Rio, sem que ela houvesse comandado a compra. Outro caso reportado foi o ocorrido com um estrategista digital dono de duas Alexas, uma TV Smart, tablet e smartphone de última geração. Sua paixão pela tecnologia digital o levou a fazer compras pela Alexa, até que o assistente virtual assinou um pacote de TV anual confundindo sua solicitação de pesquisa sobre aplicativos de streaming. Após esta ocorrência, desistiu de fazer compras virtuais. 

    A questão é séria. Está reportado que uma pesquisa recente elaborada pelo grupo americano de investimento Loup Ventures mostrou que as assistentes virtuais não compreendem parte dos comandos. Submetidas a um teste de 800 perguntas, a Google Assistant respondeu a 88% das perguntas, a Siri a 75% e, por fim, a Alexa a 72%. Quando as assistentes virtuais passam a tomar decisões por conta própria fica muito clara a necessidade de reforçar seus sistemas de segurança. Mas, ao que tudo indica, a prioridade do avanço tecnológico é com a velocidade.

     Finalizando. São considerações de obscurantistas? De luditas? Sou eu mesmo um ludita? Se sou, estou em boa companhia. John Casti, ph.D. especializado nos estudos das teorias dos sistemas e da complexidade, e que relaciona em seu livro “O Colapso de tudo” (5) UM APAGÃO NA INTERNET entre onze alarmantes – e prováveis – situações que podem arrastar o mundo para uma idade das trevas; Martin Rees, ex-Presidente da associação Britânica para o Avanço da Ciência, e autor de um livro com um título assustador: “Our Final Century” (6) (Nosso derradeiro século); Jaron Lanier, filósofo da computação, e um dos precursores da internet e da realidade virtual, autor do livro “Dez razões para você deletar agora as suas redes sociais” (7), naturalmente um exagero polêmico, no intuito de dramatizar a dependência da internet, de darmos um tempo para reflexão. O que estará acontecendo? Uma resposta muito bem estruturada eu a encontrei no livro do escritor norte-americano Nicholas Carr (8) objeto de uma crônica postada aqui neste blog intitulada “Ninguém mais lê e-mails” (ressalte-se que Carr é um homem absolutamente afinado com o desenvolvimento da informática, um ativo usuário das mais atualizadas ferramentas que ela coloca à disposição da sociedade). O que ele faz ao longo do livro é uma crítica ao uso abusivo da internet, o que ele mesmo fazia, até se dar conta e fazer uma desintoxicação muito bem planejada, com uma desconexão quase completa por um período de alguns meses, seguido de um retorno em bases equilibradas. E, temos, obviamente Martin Heidegger, que, embora veemente crítico do abuso da tecnologia, afirmava que podemos ter uma outra relação com os objetos técnicos, que podemos utilizá-los e, ao utilizá-los, permanecer ao mesmo tempo livres deles, de forma que possamos a qualquer momento larga-los, utilizá-los como devem ser utilizados: 

     Podemos dizer “sim” à utilização inevitável dos objetos técnicos e podemos ao mesmo tempo dizer “não”, impedindo que nos absorvam e, desse modo, verguem, confundam e, por fim, esgotem a nossa natureza (Wesen). SERENIDADE (9) 

     A esta atitude de deixar os objetos técnicos entrarem em nosso mundo cotidiano e, ao mesmo tempo, deixá-los fora, do sim e do não em relação a eles, o filósofo designa como a serenidade para com as coisas. Trata-se de usufruir da tecnologia sem ficar-se restrito, dominado por ela. Simples assim, se me permitem o anglicismo.

 ----------------------------------------------------------------------------------------------------------                     (1) O GLOBO. Edição de 19/07/2022. Segundo Caderno, Pag. 6. (2) ZIMMERMAN, Michael E. Confronto de Heidegger com a Modernidade – Tecnologia/Política/ Arte. Lisboa: Instituto Piaget, 1990. Pag.307 (3) O GLOBO. Edição de 17/07/2022. Caderno Economia, Pag.22. (4) https://tecnoblog.net/responde/o-que-e-a-alexa-ou-melhor-quem-e/ (5) CASTI, John. O Colapso de Tudo. Rio de Janeiro: Editora Intrínseca ltda, 2012. (6) REES, Martin. Our Final Century. United Kingdon: Arrow Books,2004 (7) LANIER, Jaron. Dez Argumentos para você deletar agora as suas redes sociais. (8) CARR, Nicholas. O que a internet está fazendo com os nossos cérebros – A Geração Superficial: AGIR, Rio de Janeiro, 2011 (9) HEIDEGGER, Martin. Serenidade. Lisboa: Instituto Piaget, 1959. Pag.23

 José Antonio C. Silva 22/07/2022