Eis que a idade chegou
Ela chegou para mim. Não aos 40 anos,
idade num passado distante associada à velhice, os quarentões (para as
mulheres, chegava ainda antes, aos trinta, como no célebre romance de Balzac).
Nem aos 60, lembro-me perfeitamente de ter viajado a São Paulo tentando vender
um serviço a algumas empresas, retornado no mesmo dia e jantado com a minha
esposa e os queridos filhos. Também não chegou aos 70, idade inimaginável de se
atingir quando eu era uma criança. Teria chegado aos 75? Também não, foi um
aniversário meio esquisito, em meio a pandemia, em quarentena, só com a
família.
Quando chegou, então? Agora, quando
completo 76 anos. Continuamos na pandemia, a peste sobre a qual pouco podemos
fazer, e não sabemos quando acabará. Por que será que agora sinto o passar do
tempo? Ainda confinado, não poderei contar com a companhia de todos aqueles com
quem eu costumava desfrutar os meus aniversários. Particularmente, lembro-me do
“Grande Baile dos Quarent’annos”, uma caprichada festa comemorativa com os
convidados – familiares e amigos -em trajes de época ou passeio completo, para
dar o clima, embalada por grandes clássicos da música norte-americana cantados
por Frank Sinatra, Nat King Cole e outros, ou executados pelas orquestras de
Glenn Miller, Tommy Dorsey, Harry James. A música brasileira também compareceu
cantada por Ataulfo Alves e Maria Betânia. E teve até mesmo mambo, na orquestra
de Perez Prado. Noite inesquecível.
Aniversários na casa dos 60 foram
marcados por bailes em nossa casa de Camboinhas, geralmente festas temáticas,
como o inesquecível “Baile dos Horrores”, as “Noites Latinas” e as aulas de
dança. Uma alegria que nem mesmo o infarto que sofri aos 65 anos, e a consequente
cirurgia cardíaca, lançou qualquer sombra sobre o meu futuro. Na casa dos 70
nenhuma comemoração me deixou particular recordação. Eis que chego aos 76. O
que aconteceu de importante nesses 6 anos já transcorridos? Algo
extraordinário, o nascimento dos queridíssimos netinhos Rafael, agora com 5 anos,
e o Felipe, com 2 anos. A graça das festas foi naturalmente transferida para as
celebrações dos aniversários deles.
Curioso, como o nascimento dessas
adoráveis criaturas me trás frequentemente de volta ao passado, quando meus
próprios filhos, Juliana e Cristiano eram crianças, e sou invadido por uma
imensa saudade, um enorme desejo de visitar aqueles tempos. Impossível, não
existe (existirá algum dia?) “A Máquina do Tempo” imaginada pelo escritor H. G.
Wells em um célebre livro cuja primeira versão em filme (1960) tive o prazer de
assistir ao lado do Rafael, super curioso ao meu lado.
Mas, criar filhos está muito longe de
ser missão fácil. Há poucos dias assistimos, eu e Edna, “Como Estrelas na
Terra”, um filme indiano. O protagonista é um menino de 9 anos, apresentando
sintomas de dislexia, caracterizados por distúrbios de aprendizagem pela
dificuldade de leitura. O menino sofria muito com isso, isolava-se do mundo,
seu pai não o compreendia, o tratava com agressividade. A mãe era mais
tolerante, mas também sofria com aquela condição para ela completamente
incompreensível. Na escola sofria assédio dos colegas e professores. Foi
transferido para uma escola de crianças excepcionais. Não fazia qualquer
progresso até que um professor de artes se interessou por ele e fez brotar uma faculdade
submersa naquela criança: o enorme talento para o desenho e para a pintura. Com
isso, aos poucos, a paralisante dificuldade com as letras também foi
desaparecendo, aquele menino transformou-se por completo, um artista precoce, admirado
por todos, amado pelos pais.
Olho para trás e recordo que tive um
problema de natureza semelhante, felizmente com intensidade incomparavelmente
menor, com o meu filho Cristiano. Eu fui bastante precoce com as letras.
Lembro-me que com 5 anos já sabia ler e escrever perfeitamente. E que, ao ser
informado disto, meu avô, um sisudo senhor de aproximadamente 60 anos (nos
parecia muito velho!) me submeteu a um rápido teste de leitura da primeira
página de um jornal. Li sem qualquer dificuldade, e aos 6 anos ingressava no
que então era chamado Curso Primário.
Por conta dessa facilidade com as
letras, eu não conseguia compreender que o meu filho não fosse igual a mim
nesse aspecto, e por vezes fui agressivo. Estúpido, eu não via que cada pessoa
tem talentos próprios. No caso do Cristiano, tal qual o menino do filme, uma
grande facilidade em desenhar, pintar, colorir, aliada a uma visão espacial
apurada. Em contrapartida, eu nunca fui capaz de desenhar coisa alguma, e sou
portador de visão espacial muito limitada. Cristiano foi em frente, cursou
Arquitetura, o que seria bem de se esperar, é um profissional que nos enche de
orgulho, respeitado em todos os ambientes por onde transitou, além, é claro, de
ser um filho muito querido. E, obviamente, há muito superou suas dificuldades
com as letras, adotou, inclusive, o hábito da leitura, nas poucas horas vagas
que o trabalho lhe permite. Está feliz, no que em muito contribui a presença de
sua querida companheira, Priscilla. Ah, e tem ainda dois gatos. Adoro gatos.
Com Juliana lembro-me de alguns
atritos quando ela estava na adolescência. Gênio forte, em fase de construção
de uma firme personalidade. Certa feita, já adulta, fiquei muito bravo com ela em
uma discussão por pura falta de compreensão de nossa parte, e deixei de falar
com ela durante algumas semanas. Sofri
muito aquele afastamento. Ela não tinha dificuldade com as letras, também
gostava de desenhar, colorir, pintar. Até hoje guardo, emocionado, alguns
desenhos e mensagens carinhosas para mim, pelo meu aniversário ou pelo Dia dos
Pais. Assim como o seu irmão, também se formou em Arquitetura. Não sei como
consegue dar conta de trabalhar tanto e cuidar dos filhos, meus netinhos,
cheios de energia e incansáveis. Juliana é, sobretudo, um caráter a toda a
prova.
Meus filhos são agora a minha grande
razão de viver. Estar sempre disposto a ajudá-los no que for necessário,
particularmente a Juliana com os netinhos. Nessa ajuda, Edna tem se superado. Fui
muito precoce no aprendizado de muitas disciplinas, notadamente letras, como já
disse, matemática e diversos ramos das ciências. Minha irmã dizia que eu “já
nasci velho”, no sentido em que eu me interessava muito por assuntos que não
eram tão comuns a crianças da minha idade, além de ter sido criado em contato
com tios mais velhos, que de certa forma me viam como iguais.
Por essa razão, vejo na curiosidade do
Rafael, em seus 5 aninhos, por assuntos científicos diversos, um amigo com quem
compartilhar filmes, leituras e conversas “de adulto”. Com Felipe, em seus 2
aninhos, ainda tenho dificuldade em estabelecer uma comunicação, na qual a avó
Edna é extremamente bem sucedida.
Que marca eu deixarei nos meus
filhos? Do meu pai, o saudoso Seu Carvalho, herdei muitas coisas. O amor pela
leitura, pela música, pelos filmes, o interesse pelas ciências, as brincadeiras
e as piadas. E a determinação de construir uma carreira profissional honrada,
sem máculas. E até mesmo a aparência física, uma semelhança que vai se
acentuando com a idade, a ponto da Juliana, ao me ver sentado numa poltrona, de
bermuda, na mesma posição em que Seu Carvalho gostava de ficar, disse: “Pai,
você está cada vez mais parecido com o vovô!” Importante ressaltar que aquele
avô amava muito seus netinhos, meus filhos queridos.
Claro, não sei quantos anos me
restam. Qual o meu sonho? Que meus filhos e netos sejam muito felizes e, se o
Papai do Céu deixar, fazer uma viagem com eles para reviver momentos encantadores
que tivemos juntos em tantas viagens, tantos países, começando pela Disney,
quando meus filhos eram crianças, o Natal mágico em New York, passando pela
inesquecível estada na Toscana e o fim de ano em Casarano, na casa da minha
sobrinha Anna Paula, e a última delas, há 6 anos, novamente em New York, onde
estávamos eu, Edna, Juliana com o Rafael na barriga, e o Carlos, que logo teria
a ventura de ser pai daquele ser encantador. E, ademais, muito, muito lindo.
Carinhoso abraço a todos.
10 de junho de 2021.
Querido amigo, linda crônica para uma história familiar cheia de amor. Parabéns!
ResponderExcluirAmo tanto vocês que até dói ❤️
ResponderExcluirAmo tanto vocês que até dói ❤️
ResponderExcluirBeleza de crônica, Zé. Você está pronto para escrever suas memórias! E concordo com você: até os 70, esticando até os 75, nos sentimos quase jovens, os anos não pesam. Depois, mesmo que saúde não falte, chega a constatação de que não há tempo a perder, urge aproveitar todos os momentos, comemorar tudo! Feliz aniversário!
ResponderExcluirMaravilhosa crônica do amigo José Antonio, digna dos maiores elogios, nos faz viajar no tempo e conhecer sua linda família Parabéns pela qualidade e sensibilidade, exibidas no texto. Continue nos brindando, sempre, com suas excelentes crônicas.
ResponderExcluirA família é nosso maior bem. Estamos em tempos difíceis e a família é um verdadeiro refúgio. Suas lembranças são lindas e a sua longevidade já está garantida por conta do verdadeiro laço de amor da sua familia. Assim, continuará nos presenteando por muitos e muitos anos com seus pensamentos e palavras!😉
ResponderExcluirA arte de compreender a velhice, não só a própria como a dos outros, identificar quem somos e envelhecer dignamente, é tarefa difícil e desafiadora. Percebo na essência da sua crônica um carinho e afeto pela sua família admiráveis, não deixando dúvida que este é o segredo para uma longevidade saudável e feliz.
ResponderExcluirNão esqueça que ainda tem muito a realizar, viajar e aproveitar a vida ao lado dos entes queridos, não pense agora no "The End is Near", imortalizado pelo velho Frank, que tanto gostamos, em "My Way". A canção é belíssima, mas em seu caso estou certo que aproveitará por muito tempo a vida com sua bela família. Este é o segredo para um legado que ficará eternizado na lembrança de todos.
Abraços meu Caro, não deixe de escrever.
Zé, realmente vc tem o dom das letras, com humor e amor, mto bom ler suas crônicas, demoro um pouco a ler , kkk, mas admiro e curto mto todas elas. Bjao
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