domingo, 25 de junho de 2017

Deixem-me ao menos algumas ilusóes


Deixem-me ao menos algumas ilusões

O título deste artigo vem de uma antiga edição da revista Seleções, do Readers Digest, uma publicação até hoje encontrada nas bancas, mas que nem remotamente desfruta do prestígio que tinha no passado. A publicação, mensal, com enorme tiragem em todo o mundo sob a esfera de influência dos Estados Unidos, tinha um conteúdo bastante diversificado, conquanto superficial. Por isso, daqueles que baseavam seus conhecimentos unicamente na revista dizia-se ironicamente que “possuíam cultura de Seleções”. Apesar de tudo, tirante as matérias de conteúdo teatralmente propagandístico sobre a as maravilhas da sociedade norte-americana e contra a antiga União Soviética, Seleções despertou em muita gente o gosto pela leitura.
Li o tal artigo pelo final dos anos da década de 1950. Era uma provocação em relação a verdades tomadas como inquestionáveis, mas que, afinal, não resistiram a testes de efetiva comprovação. Um desses postulados era o especial apetite de ratos pelo queijo, fartamente difundido mundo afora de mil maneiras: uma que me ocorre é através dos desenhos animados Tom & Jerry, extremamente populares naquela época. Pois bem. Dentre outras desconstruções, nunca me esqueci daquela que relatava a experiência na qual foi apresentado aos roedores um variável cardápio para testar suas preferências. O resultado foi absolutamente desconcertante: queijo foi a última opção da rataria, sendo que a primeira foi jujuba de limão!
A partir daí sempre fui um pouco cético em relação a verdades tidas como cientificamente estabelecidas. Parece que é apenas uma questão de tempo uma crença vir a ser contestada, a verdade estaria até mesmo no seu oposto. Por um longo período aprendemos que o consumo de ovo seria muito prejudicial à saúde. O colesterol contido em sua gema era um convite a distúrbios cardiovasculares. Assim sendo, ovo e alimentos que o contivessem deveriam ser escrupulosamente evitados. Eis que para minha surpresa assistimos a uma completa reabilitação do ovo.  O Dr. Lair Ribeiro, um cardiologista bastante conhecido por uma grande quantidade de livros publicada e por suas conferências sobre saúde, nas quais é apresentado como nutrólogo, não só defende como exalta o consumo de grandes quantidades de ovo, ressalvando apenas que eles não devem ser fritos, mas, sim, cosidos. Na mesma linha de defesa do ovo contra a satanização por ele sofrida nos últimos 40 anos alinha-se outro cardiologista, e também nutrólogo, o Dr. Sergio Puppin, autor do livro “Ovo: o mito do colesterol”. Então, o negócio é comer ovos, “o mais completo alimento da natureza”.
A propósito de colesterol, sempre se teve como verdade que altas taxas do chamado colesterol bom (HDL, high density lipoprotein) seriam suficientes para proteger o coração do excesso de colesterol ruim (LDL, low density lipoprotein). “Nem tão bom assim”, é o título de um artigo publicado no jornal O Globo (Saúde, 13/01/2013). Segundo a matéria, duas pesquisas efetuadas em centros de doenças cardíacas nas universidades de Zurique, na Suíça, e de Leipzig, na Alemanha, demonstraram que o HDL pode perder o seu efeito protetor em decorrência de oxidação. A conclusão foi a de que que nem sempre o HDL pode proteger o coração, e que as tentativas de uso de remédios para melhorar a taxa desse colesterol não deram certo. Inclusive, pasmem, o prestigioso laboratório Pfizer suspendeu seus testes com uma substância capaz de aumentar as taxas de HDL após verificar um aumento, ao invés de redução, dos casos de óbitos: 82 dos 15 mil pacientes que participaram do estudo faleceram.
Além do ovo, muitos outros alimentos de origem animal sofreram, e sofrem, processo de estigmatização. A carne vermelha, o leite de vaca (“cow milk is good for baby cows”, reza um provérbio norte-americano), a manteiga, o queijo e a banha de porco são alguns exemplos. A manteiga deveria ser substituída pela margarina, enquanto a banha de porco daria lugar aos óleos de origem vegetal. E vieram, enaltecidos, os óleos de soja, de milho, de amendoim, de girassol e... de canola. Mas, o que seria canola? O Dr. Lair Ribeiro, ao fazer a crítica ao consumo dos referidos óleos provenientes de sementes de vegetais, ensina que o óleo de canola, o mais caro dentre os citados, e supostamente o melhor, na realidade seria o pior deles, pois a canola sequer existe na natureza, a palavra é, na verdade, a sigla para Canadian Oil Low Acid (ao se pesquisar mais o assunto, descobre-se que a canola resulta de um melhoramento genético da colza, essa, sim, uma semente, e da qual se produz um óleo bastante tóxico ao consumo humano). Todos esses óleos vegetais são obtidos através de processamento químico que resulta em sua hidrogenação, uma operação durante a qual são geradas gorduras trans, perversas à saúde. Mas, qual não foi a minha surpresa ao verificar que opinião diametralmente oposta é expressa pelo Dr. Claudio Domenico, respeitado cardiologista e autor do livro Te cuida. O Dr. Domenico, ao construir a sua pirâmide alimentar, alinha em sua base, juntamente com outros alimentos, justamente os óleos vegetais e a margarina!
E o café? Durante décadas escutamos que seu consumo deveria ser evitado ou, pelo menos, muito moderado. Aceleração dos batimentos cardíacos, nervosismo, insônia, problemas gástricos e uma série de outras mazelas eram atribuídos a nossa rubiácea. A cafeína é um veneno, nos diziam, daí surgiu a variante café descafeinado. Curiosamente, do chá preto, contendo teína, a cafeína do chá, nada se dizia. Mas, de repente, o café surge completamente reabilitado. Não só não faz mal, como o seu consumo é definitivamente recomendado: a cafeína atua como antioxidante das células e ainda tem efeito antidepressivo.
E quanto ao uso de adoçantes sintéticos? Esses foram introduzidos no mercado como sucedâneos do açúcar, a sacarose, para aqueles que não podiam dispensar o sabor adocicado que a substância, absolutamente demonizada (o livro Sugar Blues, popularíssimo nos anos da década de 1970, foi uma violentíssima catilinária contra o seu consumo), confere a uma extensa gama de alimentos. Caloria vazia, o açúcar é responsabilizado por uma assustadora lista de doenças que vão do diabetes a problemas cardiovasculares. Fazia-se imperiosa a sua substituição por sucedâneos sintéticos. Mas, não demorou para que, ainda em plena década de 1960, quando seu uso começou a ser difundido no mercado, os adoçantes começassem a sofrer ataques: o ciclamato produz câncer. Nos dias atuais outros adoçantes sintéticos são vítimas de graves ataques. Como exemplo, o aspartame que, de acordo com pesquisas, causaria, além de câncer, mal de Alzheimer, esclerose múltipla e doenças cardiovasculares, dentre outros males.
Outro grande vilão é a farinha branca: engorda, não contem fibras etc. Só não conseguem explicar porque os italianos consomem prodigiosas quantidades de massas fabricadas justamente a partir de farinha branca, e mantém uma forma física tão diferente dos tradicionalmente obesos norte-americanos e de novos obesos como os ingleses e os brasileiros. Igualmente os franceses têm em sua dieta grandes quantidades de pães com farinha branca, queijos, manteiga, doces, etc., e estão igualmente em boa forma. Qual a razão? Seria a tal dieta mediterrânea, beneficiada pela ingestão de vinho tinto e azeite de oliva, ambos, se consumidos em quantidade moderada, ainda a salvo da demonização? Aguardemos, quem sabe, alguma pesquisa ainda virá a demonstrar “cientificamente” que tais alimentos estão, de fato, entre os grandes flagelos da humanidade?
Sal do Himalaia? Segundo pesquisa de um químico respeitável, amigo meu, o sal sequer vem do Himalaia, mas, sim, do Paquistão, Falseando-se a origem, o sal ganha muito mais charme e apelo comercial. Quimicamente, o sal do “Himalaia” realmente contém mais sais minerais que o sal comum, porem em quantidade insignificante para fazer diferença na dieta humana. E quanto ao sódio, ele possui a mesma concentração que o sal marinho, que, de resto contém apenas 100 mg/10gr a menos que o sal refinado. E ainda contém muito flúor, elemento tóxico. Enfim, sal do “Himalaia” seria puro modismo, muito caro e até perigoso à saúde.
E o que dizer do óleo de coco? O novo queridinho de tantos nutrólogos e nutricionistas, sofre agora um fulminante ataque. Em reportagem publicada em O Globo, 19/06/2017, intitulada “Saiba por que o óleo de coco não é tão saudável quanto você pensa”, um estudo da Associação Americana do Coração (AHA, a sigla na língua inglesa) desaconselha a ingestão do óleo de coco. Segundo a AHA, enquanto o azeite tem 14% de gordura saturada - prejudicial à saúde cardíaca -, a banha de porco contém 39%, a de carne bovina 50%, a manteiga 63% e o óleo de coco impressionantes 82%. “Como o óleo de coco aumenta o colesterol LDL, uma causa de doenças cardiovasculares, e não tem efeitos favoráveis compensatórios conhecidos, nós desaconselhamos o seu uso”. Prosseguindo, a recomendação da AHA é de que as gorduras saturadas — de laticínios, animais e óleo de coco e azeite de dendê, dentre outras — sejam substituídas por gorduras mono ou poli-insaturadas, encontradas sobretudo em óleos vegetais, como o azeite de oliva e os óleos de milho, canola (!!!), girassol e soja.
            Finalizando, devo dizer que há tempos venho atentando para uma informação na embalagem de diversos produtos alimentícios: Não contem glúten, como uma espécie de selo de garantia ao produto. Inversamente, em outras embalagens consta: Contém glúten. Mas, o que será glúten? A Wikipédia nos ensina que ele é uma proteína amorfa composta de mistura de cadeias proteicas longas de gliadina e glutenina. Essas substâncias se encontram naturalmente na semente de muitos cereais como o trigo (principal fonte da proteína), a cevada, o centeio e a aveia.  Segundo a informação, entre 1 a 2% da população mundial apresenta intolerância ao glúten, embora até metade dos celíacos não apresentem sintomas graves ou que interferem em sua vida cotidiana. Os portadores da doença celíaca têm uma hipersensibilidade ao glúten, que pode ser resultado de uma alergia ou de intolerância a ele. Nessas pessoas o glúten provoca danos na mucosa do intestino delgado, impedindo uma digestão normal.
            Entenderam agora a razão da frase contém glúten, encontrada em embalagens de diversos produtos alimentícios?  Serve para alertar as pessoas que possuem intolerância ou reações alérgicas a essa proteína, para que não consumam aquele alimento. Fui conferir: na embalagem de farinha de trigo em minha dispensa consta a temível expressão. O trigo é a principal fonte da alimentação humana. O que fazer? Tudo o que posso é expressamente declarar: Esta crônica não contém glúten.

25/06/2017

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