Deixem-me
ao menos algumas ilusões
O
título deste artigo vem de uma antiga edição da revista Seleções, do Readers
Digest, uma publicação até hoje encontrada nas bancas, mas que nem remotamente
desfruta do prestígio que tinha no passado. A publicação, mensal, com enorme
tiragem em todo o mundo sob a esfera de influência dos Estados Unidos, tinha um
conteúdo bastante diversificado, conquanto superficial. Por isso, daqueles que
baseavam seus conhecimentos unicamente na revista dizia-se ironicamente que “possuíam
cultura de Seleções”. Apesar de tudo, tirante as matérias de conteúdo teatralmente
propagandístico sobre a as maravilhas da sociedade norte-americana e contra a
antiga União Soviética, Seleções despertou em muita gente o gosto pela leitura.
Li
o tal artigo pelo final dos anos da década de 1950. Era uma provocação em
relação a verdades tomadas como inquestionáveis, mas que, afinal, não
resistiram a testes de efetiva comprovação. Um desses postulados era o especial
apetite de ratos pelo queijo, fartamente difundido mundo afora de mil maneiras:
uma que me ocorre é através dos desenhos animados Tom & Jerry, extremamente
populares naquela época. Pois bem. Dentre outras desconstruções, nunca me
esqueci daquela que relatava a experiência na qual foi apresentado aos roedores
um variável cardápio para testar suas preferências. O resultado foi
absolutamente desconcertante: queijo foi a última opção da rataria, sendo que a
primeira foi jujuba de limão!
A
partir daí sempre fui um pouco cético em relação a verdades tidas como
cientificamente estabelecidas. Parece que é apenas uma questão de tempo uma
crença vir a ser contestada, a verdade estaria até mesmo no seu oposto. Por um
longo período aprendemos que o consumo de ovo seria muito prejudicial à saúde.
O colesterol contido em sua gema era um convite a distúrbios cardiovasculares.
Assim sendo, ovo e alimentos que o contivessem deveriam ser escrupulosamente
evitados. Eis que para minha surpresa assistimos a uma completa reabilitação do
ovo. O Dr. Lair Ribeiro, um cardiologista
bastante conhecido por uma grande quantidade de livros publicada e por suas
conferências sobre saúde, nas quais é apresentado como nutrólogo, não só
defende como exalta o consumo de grandes quantidades de ovo, ressalvando apenas
que eles não devem ser fritos, mas, sim, cosidos. Na mesma linha de defesa do
ovo contra a satanização por ele sofrida nos últimos 40 anos alinha-se outro
cardiologista, e também nutrólogo, o Dr. Sergio Puppin, autor do livro “Ovo: o
mito do colesterol”. Então, o negócio é comer ovos, “o mais completo alimento
da natureza”.
A
propósito de colesterol, sempre se teve como verdade que altas taxas do chamado
colesterol bom (HDL, high density
lipoprotein) seriam suficientes para proteger o coração do excesso de
colesterol ruim (LDL, low density
lipoprotein). “Nem tão bom assim”, é o título de um artigo publicado no
jornal O Globo (Saúde, 13/01/2013). Segundo a matéria, duas pesquisas efetuadas
em centros de doenças cardíacas nas universidades de Zurique, na Suíça, e de
Leipzig, na Alemanha, demonstraram que o HDL pode perder o seu efeito protetor
em decorrência de oxidação. A conclusão foi a de que que nem sempre o HDL pode
proteger o coração, e que as tentativas de uso de remédios para melhorar a taxa
desse colesterol não deram certo. Inclusive, pasmem, o prestigioso laboratório
Pfizer suspendeu seus testes com uma substância capaz de aumentar as taxas de
HDL após verificar um aumento, ao invés de redução, dos casos de óbitos: 82 dos
15 mil pacientes que participaram do estudo faleceram.
Além
do ovo, muitos outros alimentos de origem animal sofreram, e sofrem, processo
de estigmatização. A carne vermelha, o leite de vaca (“cow milk is good for
baby cows”, reza um provérbio norte-americano), a manteiga, o queijo e a banha
de porco são alguns exemplos. A manteiga deveria ser substituída pela
margarina, enquanto a banha de porco daria lugar aos óleos de origem vegetal. E
vieram, enaltecidos, os óleos de soja, de milho, de amendoim, de girassol e...
de canola. Mas, o que seria canola? O Dr. Lair Ribeiro, ao fazer a crítica ao
consumo dos referidos óleos provenientes de sementes de vegetais, ensina que o
óleo de canola, o mais caro dentre os citados, e supostamente o melhor, na
realidade seria o pior deles, pois a canola sequer existe na natureza, a
palavra é, na verdade, a sigla para Canadian Oil Low Acid (ao se pesquisar mais
o assunto, descobre-se que a canola resulta de um melhoramento genético da
colza, essa, sim, uma semente, e da qual se produz um óleo bastante tóxico ao
consumo humano). Todos esses óleos vegetais são obtidos através de
processamento químico que resulta em sua hidrogenação, uma operação durante a
qual são geradas gorduras trans, perversas à saúde. Mas, qual não foi a minha
surpresa ao verificar que opinião diametralmente oposta é expressa pelo Dr.
Claudio Domenico, respeitado cardiologista e autor do livro Te cuida. O Dr. Domenico,
ao construir a sua pirâmide alimentar, alinha em sua base, juntamente com
outros alimentos, justamente os óleos vegetais e a margarina!
E
o café? Durante décadas escutamos que seu consumo deveria ser evitado ou, pelo
menos, muito moderado. Aceleração dos batimentos cardíacos, nervosismo,
insônia, problemas gástricos e uma série de outras mazelas eram atribuídos a
nossa rubiácea. A cafeína é um veneno, nos diziam, daí surgiu a variante café
descafeinado. Curiosamente, do chá preto, contendo teína, a cafeína do chá,
nada se dizia. Mas, de repente, o café surge completamente reabilitado. Não só não
faz mal, como o seu consumo é definitivamente recomendado: a cafeína atua como
antioxidante das células e ainda tem efeito antidepressivo.
E
quanto ao uso de adoçantes sintéticos? Esses foram introduzidos no mercado como
sucedâneos do açúcar, a sacarose, para aqueles que não podiam dispensar o sabor
adocicado que a substância, absolutamente demonizada (o livro Sugar Blues,
popularíssimo nos anos da década de 1970, foi uma violentíssima catilinária
contra o seu consumo), confere a uma extensa gama de alimentos. Caloria vazia,
o açúcar é responsabilizado por uma assustadora lista de doenças que vão do
diabetes a problemas cardiovasculares. Fazia-se imperiosa a sua substituição
por sucedâneos sintéticos. Mas, não demorou para que, ainda em plena década de
1960, quando seu uso começou a ser difundido no mercado, os adoçantes
começassem a sofrer ataques: o ciclamato produz câncer. Nos dias atuais outros
adoçantes sintéticos são vítimas de graves ataques. Como exemplo, o aspartame
que, de acordo com pesquisas, causaria, além de câncer, mal de Alzheimer,
esclerose múltipla e doenças cardiovasculares, dentre outros males.
Outro
grande vilão é a farinha branca: engorda, não contem fibras etc. Só não
conseguem explicar porque os italianos consomem prodigiosas quantidades de
massas fabricadas justamente a partir de farinha branca, e mantém uma forma
física tão diferente dos tradicionalmente obesos norte-americanos e de novos
obesos como os ingleses e os brasileiros. Igualmente os franceses têm em sua
dieta grandes quantidades de pães com farinha branca, queijos, manteiga, doces,
etc., e estão igualmente em boa forma. Qual a razão? Seria a tal dieta
mediterrânea, beneficiada pela ingestão de vinho tinto e azeite de oliva,
ambos, se consumidos em quantidade moderada, ainda a salvo da demonização?
Aguardemos, quem sabe, alguma pesquisa ainda virá a demonstrar
“cientificamente” que tais alimentos estão, de fato, entre os grandes flagelos
da humanidade?
Sal
do Himalaia? Segundo pesquisa de um químico respeitável, amigo meu, o sal
sequer vem do Himalaia, mas, sim, do Paquistão, Falseando-se a origem, o sal
ganha muito mais charme e apelo comercial. Quimicamente, o sal do “Himalaia”
realmente contém mais sais minerais que o sal comum, porem em quantidade
insignificante para fazer diferença na dieta humana. E quanto ao sódio, ele
possui a mesma concentração que o sal marinho, que, de resto contém apenas 100
mg/10gr a menos que o sal refinado. E ainda contém muito flúor, elemento
tóxico. Enfim, sal do “Himalaia” seria puro modismo, muito caro e até perigoso
à saúde.
E o que dizer do óleo de coco? O novo queridinho de
tantos nutrólogos e nutricionistas, sofre agora um fulminante ataque. Em
reportagem publicada em O Globo, 19/06/2017, intitulada “Saiba por que o óleo
de coco não é tão saudável quanto você pensa”, um estudo da Associação
Americana do Coração (AHA, a sigla na língua inglesa) desaconselha a ingestão
do óleo de coco. Segundo a AHA, enquanto o azeite tem 14% de gordura saturada -
prejudicial à saúde cardíaca -, a banha de porco contém 39%, a de carne bovina
50%, a manteiga 63% e o óleo de coco impressionantes 82%. “Como o óleo de coco
aumenta o colesterol LDL, uma causa de doenças cardiovasculares, e não tem
efeitos favoráveis compensatórios conhecidos, nós desaconselhamos o seu uso”.
Prosseguindo, a recomendação da AHA é de que as gorduras saturadas — de
laticínios, animais e óleo de coco e azeite de dendê, dentre outras — sejam
substituídas por gorduras mono ou poli-insaturadas, encontradas sobretudo em
óleos vegetais, como o azeite de oliva e os óleos de milho, canola (!!!),
girassol e soja.
Finalizando, devo dizer que há
tempos venho atentando para uma informação na embalagem de diversos produtos
alimentícios: Não contem glúten, como
uma espécie de selo de garantia ao produto. Inversamente, em outras embalagens consta:
Contém glúten. Mas, o que será
glúten? A Wikipédia nos ensina que ele é uma proteína amorfa composta de
mistura de cadeias proteicas longas de gliadina e glutenina. Essas substâncias
se encontram naturalmente na semente de muitos cereais como o trigo (principal
fonte da proteína), a cevada, o centeio e a aveia. Segundo a informação, entre 1 a 2% da
população mundial apresenta intolerância ao glúten, embora até metade dos
celíacos não apresentem sintomas graves ou que interferem em sua vida cotidiana.
Os portadores da doença celíaca têm uma hipersensibilidade ao glúten, que pode
ser resultado de uma alergia ou de intolerância a ele. Nessas pessoas o glúten
provoca danos na mucosa do intestino delgado, impedindo uma digestão normal.
Entenderam agora a razão da frase contém
glúten, encontrada em embalagens de diversos produtos alimentícios? Serve para alertar as pessoas que possuem intolerância
ou reações alérgicas a essa proteína, para que não consumam aquele alimento. Fui conferir: na embalagem de farinha de trigo em
minha dispensa consta a temível expressão. O trigo é a principal fonte da
alimentação humana. O que fazer? Tudo o que posso é expressamente declarar: Esta crônica não contém glúten.
25/06/2017
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