LOGIN ----------
SENHA ----------
Estava longe da vanguarda da
evolução tecnológica. Via com bastante crítica o enfeitiçamento do homem pelas
suas criações no campo da informática. Não era um ludita, nome derivado do
inglês Ned Ludd, que no início do século XIX pregava uma violenta reação contra
as máquinas e a tecnologia. Não se considerava um troglodita informático.
Utilizava com razoável proficiência as incontáveis potencialidades que o mundo
virtual abria à sociedade. Aceitava e incorporava, até por inevitável, ícones
da era digital. Assim, computadores e celulares passaram a fazer parte do seu
dia a dia. Manejava seu notebook para escrever seus textos e construir
planilhas financeiras, e acessava a internet para passar e-mails, conectar-se
no Facebook, pesquisar no Google, no YouTube. Usava-os na justa medida de suas
necessidades, por isso jamais comprava os modelos tecnologicamente mais
desenvolvidos que a indústria vorazmente colocava no mercado. Seus artefatos
estavam sempre defasados em relação ao “estado da arte”. Funcionavam, era o
bastante para ele. Com alguma relutância, trocou o seu limitado celular por um
equipamento que igualmente lhe propiciava acesso ao mundo virtual, apreciando,
particularmente, o WhatsApp.
Mas, guardava certas bizarrias. E
a mais notória delas era a sua completa recusa em acessar suas contas bancárias
e de cartões de crédito através de seus gadgets. Figurava que em
algum lugar ― na Transilvânia? ― postava-se um hacker à
espreita do momento em que ele abrisse a guarda para, vampiro financeiro, sugar
todas as suas contas, drenar todo o seu patrimônio construído ao longo de uma
vida. Por não fazer operações via eletrônica cadastrava em débito automático
todas as contas passíveis de pagamento por essa modalidade. Para as demais
contas valia-se dos caixas eletrônicos dos bancos.
E a sua ojeriza por senhas. Havia
necessidade de uma maldita senha para uma infindável quantidade de operações do
dia a dia. E, muitas vezes, também de um login ―palavra hedionda. Senha
para abrir o computador e o celular; para a sua conta Google, para o seu blog,
para o Facebook, para o Linkedin; para os cartões de crédito e de débito; para
o caixa eletrônico de bancos; para acessar o site de seu provedor da internet;
de sua operadora de celular; de concessionárias de serviços públicos; da
administradora de seu condomínio; de seu clube recreativo; de seu programa de
milhagem; de lojas virtuais, da Secretaria da Receita Federal; da Prefeitura
Municipal e muito mais.
Como criar, e guardar tantas
senhas, tantos logins, tantos códigos de acesso? Em cada caso havia exigências
para a criação de uma chave. Use letras e números, perfazendo tal e tal número
de caracteres. Mescle minúsculas e maiúsculas. Não repita e não use sequência
de letras ou de números. Evite referências fáceis como a data de seu
aniversário, de sua carteira de identidade, de seu endereço. Cumpria-se esses
imperativos e o registro era negado: senha fraca. O que fazer? Para que se
tenha uma senha “forte” ouvia recomendações de que deveria utilizar um mínimo
de tantos dígitos, mesclando letras maiúsculas, minúsculas, números e até mesmo
outros caracteres. ― Você deve usar um mínimo de senhas, para não se
perder – lhe aconselhavam; ― Você deve variar bastante suas senhas,
para dificultar a clonagem ― lhe diziam outros. ― Você tem que
periodicamente alterar suas senhas ― mais um conselho. Que inferno. Num
crescente de irritação, começou a cadastrar palavrões, reais ou inventados, o
que em algumas ocasiões acabou por lhe causar constrangimentos. E como
memorizar senhas tão diabólicas? Impossível, é óbvio. Tratava de anotar todas
as senhas, logins, códigos de acesso e outras chaves mágicas em um bloquinho
cuidadosamente guardado em seu escritório. Infelizmente, pela paranoia de que
seu bloquinho poderia ser um dia surrupiado por algum ladrão, não anotava a
senha ipsus litterismas, sim, através de associações mnemônicas, as
quais nem sempre lhe conduziam ao código oculto. Mas julgava que ainda
conseguia memorizar alguns desses códigos, aqueles a quem recorria com grande
frequência, como para abrir o seu computador e seu celular, para usar os caixas
eletrônicos dos bancos, para pagar com seus cartões de crédito e débito. Ainda
assim por vezes, ao tentar pagar uma compra, lhe sobrevinha um branco na hora
de digitar a senha do cartão, seguido de rugidos de impaciência dos demais
clientes atrás de si na fila do caixa.
E os perigos de digitar-se uma
senha? Alertas pululavam em seu WhatsApp, em sua caixa de mensagens de e-mail,
no Facebook. ― Cuidado ao digitar sua senha em supermercados. Eles são
dotados de câmeras de supervisão suspensas, que poderão registrá-la e
funcionários fazerem mau uso dela. ― Cuidado com os caixas eletrônicos dos
bancos, eles podem conter uma fachada falsa, o famoso chupa-cabra, que furtará
os seus dados. Em ambos os casos havia a recomendação de se cobrir a visão do
teclado com uma das mãos. ― Não digite senha em conexões feitas a partir de
WiFi de lugares públicos. Tantos riscos... definitivamente a complexidade do
sistema já se situava alguns furos acima da complexidade do sistema
constituinte de muitos indivíduos. Uma situação potencialmente perigosa.
Ele tentou mais uma vez.
Decidira enfrentar o pânico de acessar a sua conta bancária de seu computador.
Era noite, precisava realizar uma transferência de uma vultosa quantia. Estava
certo quanto ao Login, mas agora, após dois avisos de que ou seu Login ou sua
senha fora dada como incorreta, já não tinha mais certeza quanto a senha. Fora
traído pela memória, e sua anotação no bloquinho, de tão desvirtuada, de nada
lhe valeu. E o segundo aviso continha uma advertência dramática, a de que um
erro na terceira tentativa invalidaria a senha. Respirou fundo, tentou
concentrar-se, julgou resgatar os malditos dígitos dos recônditos de sua
memória, premiu cuidadosamente cada tecla da senha, teclou enter.
Apenas para receber a sinistra mensagem de que sua senha havia sido invalidada.
Aquela foi uma noite medonha, povoada por pesadelos, até que, finalmente nuvens
claras e um coro angelical o envolveram, anunciando uma paz que ele jamais
desfrutara. Entreviu ao longe um imenso portão e sentiu-se docemente conduzido
a ele. Era, sem dívida, o Portão do Paraiso. Teria morrido? Invadido por
extrema felicidade achegou-se ao Portão sem trancas, que ele logo iria abrir
para desfrutar da eterna ventura. Foi quando viu, diante de si, implacável, a
inscrição:
LOGIN -------
SENHA -------
17/12/2016
Nenhum comentário:
Postar um comentário