quinta-feira, 8 de junho de 2017

LOGIN ------- SENHA------


LOGIN  ----------
SENHA ----------

Estava longe da vanguarda da evolução tecnológica. Via com bastante crítica o enfeitiçamento do homem pelas suas criações no campo da informática. Não era um ludita, nome derivado do inglês Ned Ludd, que no início do século XIX pregava uma violenta reação contra as máquinas e a tecnologia. Não se considerava um troglodita informático. Utilizava com razoável proficiência as incontáveis potencialidades que o mundo virtual abria à sociedade. Aceitava e incorporava, até por inevitável, ícones da era digital. Assim, computadores e celulares passaram a fazer parte do seu dia a dia. Manejava seu notebook para escrever seus textos e construir planilhas financeiras, e acessava a internet para passar e-mails, conectar-se no Facebook, pesquisar no Google, no YouTube. Usava-os na justa medida de suas necessidades, por isso jamais comprava os modelos tecnologicamente mais desenvolvidos que a indústria vorazmente colocava no mercado. Seus artefatos estavam sempre defasados em relação ao “estado da arte”. Funcionavam, era o bastante para ele. Com alguma relutância, trocou o seu limitado celular por um equipamento que igualmente lhe propiciava acesso ao mundo virtual, apreciando, particularmente, o WhatsApp.
Mas, guardava certas bizarrias. E a mais notória delas era a sua completa recusa em acessar suas contas bancárias e de cartões de crédito através de seus gadgets. Figurava que em algum lugar ― na Transilvânia? ― postava-se um hacker à espreita do momento em que ele abrisse a guarda para, vampiro financeiro, sugar todas as suas contas, drenar todo o seu patrimônio construído ao longo de uma vida. Por não fazer operações via eletrônica cadastrava em débito automático todas as contas passíveis de pagamento por essa modalidade. Para as demais contas valia-se dos caixas eletrônicos dos bancos.
E a sua ojeriza por senhas. Havia necessidade de uma maldita senha para uma infindável quantidade de operações do dia a dia. E, muitas vezes, também de um login ―palavra hedionda. Senha para abrir o computador e o celular; para a sua conta Google, para o seu blog, para o Facebook, para o Linkedin; para os cartões de crédito e de débito; para o caixa eletrônico de bancos; para acessar o site de seu provedor da internet; de sua operadora de celular; de concessionárias de serviços públicos; da administradora de seu condomínio; de seu clube recreativo; de seu programa de milhagem; de lojas virtuais, da Secretaria da Receita Federal; da Prefeitura Municipal e muito mais.
Como criar, e guardar tantas senhas, tantos logins, tantos códigos de acesso? Em cada caso havia exigências para a criação de uma chave. Use letras e números, perfazendo tal e tal número de caracteres. Mescle minúsculas e maiúsculas. Não repita e não use sequência de letras ou de números. Evite referências fáceis como a data de seu aniversário, de sua carteira de identidade, de seu endereço. Cumpria-se esses imperativos e o registro era negado: senha fraca. O que fazer? Para que se tenha uma senha “forte” ouvia recomendações de que deveria utilizar um mínimo de tantos dígitos, mesclando letras maiúsculas, minúsculas, números e até mesmo outros caracteres. ― Você deve usar um mínimo de senhas, para não se perder – lhe aconselhavam; ― Você deve variar bastante suas senhas, para dificultar a clonagem ― lhe diziam outros.  ― Você tem que periodicamente alterar suas senhas ― mais um conselho. Que inferno. Num crescente de irritação, começou a cadastrar palavrões, reais ou inventados, o que em algumas ocasiões acabou por lhe causar constrangimentos. E como memorizar senhas tão diabólicas? Impossível, é óbvio. Tratava de anotar todas as senhas, logins, códigos de acesso e outras chaves mágicas em um bloquinho cuidadosamente guardado em seu escritório. Infelizmente, pela paranoia de que seu bloquinho poderia ser um dia surrupiado por algum ladrão, não anotava a senha ipsus litterismas, sim, através de associações mnemônicas, as quais nem sempre lhe conduziam ao código oculto. Mas julgava que ainda conseguia memorizar alguns desses códigos, aqueles a quem recorria com grande frequência, como para abrir o seu computador e seu celular, para usar os caixas eletrônicos dos bancos, para pagar com seus cartões de crédito e débito. Ainda assim por vezes, ao tentar pagar uma compra, lhe sobrevinha um branco na hora de digitar a senha do cartão, seguido de rugidos de impaciência dos demais clientes atrás de si na fila do caixa.
E os perigos de digitar-se uma senha? Alertas pululavam em seu WhatsApp, em sua caixa de mensagens de e-mail, no Facebook. ― Cuidado ao digitar sua senha em supermercados. Eles são dotados de câmeras de supervisão suspensas, que poderão registrá-la e funcionários fazerem mau uso dela. ― Cuidado com os caixas eletrônicos dos bancos, eles podem conter uma fachada falsa, o famoso chupa-cabra, que furtará os seus dados. Em ambos os casos havia a recomendação de se cobrir a visão do teclado com uma das mãos. ― Não digite senha em conexões feitas a partir de WiFi de lugares públicos. Tantos riscos... definitivamente a complexidade do sistema já se situava alguns furos acima da complexidade do sistema constituinte de muitos indivíduos. Uma situação potencialmente perigosa.
 Ele tentou mais uma vez. Decidira enfrentar o pânico de acessar a sua conta bancária de seu computador. Era noite, precisava realizar uma transferência de uma vultosa quantia. Estava certo quanto ao Login, mas agora, após dois avisos de que ou seu Login ou sua senha fora dada como incorreta, já não tinha mais certeza quanto a senha. Fora traído pela memória, e sua anotação no bloquinho, de tão desvirtuada, de nada lhe valeu. E o segundo aviso continha uma advertência dramática, a de que um erro na terceira tentativa invalidaria a senha. Respirou fundo, tentou concentrar-se, julgou resgatar os malditos dígitos dos recônditos de sua memória, premiu cuidadosamente cada tecla da senha, teclou enter. Apenas para receber a sinistra mensagem de que sua senha havia sido invalidada.
            Aquela foi uma noite medonha, povoada por pesadelos, até que, finalmente nuvens claras e um coro angelical o envolveram, anunciando uma paz que ele jamais desfrutara. Entreviu ao longe um imenso portão e sentiu-se docemente conduzido a ele. Era, sem dívida, o Portão do Paraiso. Teria morrido? Invadido por extrema felicidade achegou-se ao Portão sem trancas, que ele logo iria abrir para desfrutar da eterna ventura. Foi quando viu, diante de si, implacável, a inscrição:

 LOGIN  -------

 SENHA -------


17/12/2016

Nenhum comentário:

Postar um comentário