Agora é o WhatsApp
Escrevi uma série ensaios sobre os
efeitos da irreflexão provocada pelo uso excessivo das modernas técnicas de
comunicação virtual. “Ninguém mais lê e-mails” (leitura arrevesada de e-mails e
textos em geral), o primeiro deles, seguindo-se “Ninguém mais escuta nada” (escuta
arrevesada), ambos postados neste blog, e “Ninguém mais checa nada”
(distribuição de hoaxes), são três
desses artigos. Sobre o progressivo uso do
celular como câmera fotográfica no espaço público – casas de shows, teatros,
estádios - e a consequente reação da sociedade contra a prática, escrevi “Desligue
o celular”.
“Ninguém mais lê e-mails”, uma
resenha do livro “O que a internet está fazendo com as nossas cabeças”, de
Nicholas Carr (AGIR, Rio de Janeiro, 2011), assim começa: “Há muitos anos minha
atenção vem sendo despertada para um fenômeno que constato no dia a dia das
relações sociais: ninguém mais lê e-mails. Isto não significa necessariamente
que eles, pura e simplesmente, não sejam mais lidos pelos destinatários, embora
isso possa de fato ocorrer. Mas o sentido da minha afirmação é o de que com uma
alarmante frequência as pessoas não fazem mais uma leitura linear de textos na
forma em que a humanidade o fazia até o advento da internet. A leitura atenta dos
textos vem sendo rapidamente substituída por uma leitura salteada, sôfrega, um
garimpo de palavras capturadas aqui e ali por um olhar lançado de relance sobre
a tela dos celulares, laptops, desktops tablets, Kindles e congêneres. Como
resultado, tem-se, frequentemente, uma distorcida captação do conteúdo da
mensagem, levando a respostas equivocadas, desentendimentos, estresse nas
relações, desperdício de energia, tempo, dinheiro etc. E essa leitura salteada
e desatenta nem de longe se limita a e-mails; ela se aplica a qualquer tipo de
texto eletrônico.” Registre-se que efetuei diversas palestras sobre o tema em
universidades, em centros culturais e para outras plateias predominantemente
jovens, logrando plena atenção e gerando fecundo debate.
O tempo passa e hoje o e-mail é uma
ferramenta muito pouco utilizada pelos mais jovens, ficando bem mais restrita à
comunicação profissional. Em seu lugar surge o WhatsApp, aplicativo disponível
nos aparelhos celulares e que como meio de comunicação já supera largamente
aquele para o qual o celular foi concebido: a telefonia. Basta lançarmos um
olhar ao redor e veremos que, em toda a parte, uma grande quantidade de pessoas
está lendo ou escrevendo mensagens via WhatsApp. No metrô, nos ônibus, nos
restaurantes, na plateia de cinemas, teatros e de shows, caminhando nas ruas, no
interior dos lares, em qualquer lugar. Crescentes alertas quanto a esse abuso
parecem relegados ao total descaso. A postura corporal exigida no uso do
aplicativo causa problemas na coluna vertebral. O desperdício de precioso tempo
em consultar e responder à mensagens tantas vezes irrelevantes, redundantes, notadamente
de extensos grupos de contatos. O surgimento do estresse, da ansiedade. O risco
incorrido ao dirigir teclando o WhatsApp, uma postura ainda mais perigosa e
irresponsável do que falar ao celular. A atenção posta no aplicativo em locais
públicos, notadamente nas ruas, expõe o usuário à um ponderável risco de
assalto, queda, atropelamento. E a
escrita? Muito mais do que no moribundo e-mail, a escrita no WhatsApp
dolorosamente maltrata o vernáculo. Não se trata aqui de pretender que seus
usuários sejam um Machado de Assis ou um Carlos Drummond de Andrade, mas, sim,
que redijam com um mínimo de consistência, para se fazer entender corretamente
pelo interlocutor.
E há o problema do desencontro. Curiosamente,
os aplicativos feitos para aproximar as pessoas, utilíssimos para aquelas
fisicamente distantes, acaba por afastar as muito próximas, até mesmo
literalmente ao lado. Tente falar alguma coisa com um dependente do WhatsApp
enquanto ele checa ou digita suas mensagens. Você terá a nítida impressão de
estar falando para as paredes, de que suas palavras simplesmente não são captadas,
respostas “hum...hum... aham...aham...” ao seu pedido de confirmação de escuta
não lhe darão nenhuma garantia de recepção. A propósito, acabo de receber um
WhatsApp em que dois homens estão sentados à mesa de um restaurante. O mais
velho tenta obter respostas do mais novo que, atracado ao celular, somente
grunhe, se tanto. Num dado momento, o mais velho, irritado, arranca o celular
da mão do jovem e o atira longe. “O que é isso, você não pode fazer isso, cara,
tá maluco? – protesta o jovem. É quando surge em cena um terceiro personagem
que ensina que “É claro que pode,
pode sim, de acordo com a Lei 12.944, recentemente aprovada pelo Congresso
Nacional, você pode quebrar o aparelho celular daquele que não prestar atenção
naquilo que você está falando.” Trata-se, é claro, de um hoaxe, citando uma lei inventada, que seria absurda até mesmo num
país surreal como o Brasil. Mas há quem acredite na mensagem, e a repassa,
afinal: “Ninguém mais checa nada”, não é? Brincadeira a parte, o fato é que o
checador/remetente de mensagens não está
ali ao seu lado, está na nuvem.
Não escutará o que lhe foi falado e, consequentemente, daquilo não terá
qualquer lembrança, podendo até negar ter ocorrido a fala do outro, ensejando
um problema na relação.
Para que se tenha a memória de um momento
é necessário que ele seja vivenciado, a pessoa precisa estar presente, com seus
sentidos em alerta. Como poderá alguém reter na memória aquilo que sequer foi
captado pelos sentidos, no caso ilustrado, pela audição? Como escreve a psicóloga Linda Davidoff
(MAKRON Books,1980), “perceber, estar consciente, aprender, falar e resolver
problemas, tudo isso requer aptidão para armazenar informações. A percepção e a
consciência muitas vezes dependem de comparações entre o presente e o passado.
A aprendizagem exige a retenção de hábitos ou de novas informações. Para falar
é preciso lembrar-se das palavras e de pelo menos algumas regras gramaticais. A
solução de problemas baseia-se na retenção de cadeias de ideias. Mesmo as atividades
geralmente consideradas não intelectuais, tais como mexericar ou lavar pratos,
dependem da capacidade de recordar. De fato, quase tudo o que se faz depende da
memória.” Como retemos acontecimentos na memória? Estando atentos, prestando
atenção, vivenciando os fatos. E pelo exercício da técnica da mneumônica, uma
associação de ideias ou fatos difíceis de reter a outros mais simples e
familiares, logra-se uma extensão da capacidade da memória, podendo-se recordar
de fatos ocorridos há muitos e muitos anos.
Ninguém em sã consciência está
pregando a satanização do WhatsApp. Ele deve ser usado como importante
conquista tecnológica, para transmitir mensagens relevantes ou meramente
lúdicas, mas atentando-se para a contrapartida altamente nociva da dependência
ao seu uso.
Maio/2018
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