terça-feira, 15 de maio de 2018

Agora é o WhatsApp



Agora é o WhatsApp

Escrevi uma série ensaios sobre os efeitos da irreflexão provocada pelo uso excessivo das modernas técnicas de comunicação virtual. “Ninguém mais lê e-mails” (leitura arrevesada de e-mails e textos em geral), o primeiro deles, seguindo-se “Ninguém mais escuta nada” (escuta arrevesada), ambos postados neste blog, e “Ninguém mais checa nada” (distribuição de hoaxes), são três desses artigos.  Sobre o progressivo uso do celular como câmera fotográfica no espaço público – casas de shows, teatros, estádios - e a consequente reação da sociedade contra a prática, escrevi “Desligue o celular”.
“Ninguém mais lê e-mails”, uma resenha do livro “O que a internet está fazendo com as nossas cabeças”, de Nicholas Carr (AGIR, Rio de Janeiro, 2011), assim começa: “Há muitos anos minha atenção vem sendo despertada para um fenômeno que constato no dia a dia das relações sociais: ninguém mais lê e-mails. Isto não significa necessariamente que eles, pura e simplesmente, não sejam mais lidos pelos destinatários, embora isso possa de fato ocorrer. Mas o sentido da minha afirmação é o de que com uma alarmante frequência as pessoas não fazem mais uma leitura linear de textos na forma em que a humanidade o fazia até o advento da internet. A leitura atenta dos textos vem sendo rapidamente substituída por uma leitura salteada, sôfrega, um garimpo de palavras capturadas aqui e ali por um olhar lançado de relance sobre a tela dos celulares, laptops, desktops tablets, Kindles e congêneres. Como resultado, tem-se, frequentemente, uma distorcida captação do conteúdo da mensagem, levando a respostas equivocadas, desentendimentos, estresse nas relações, desperdício de energia, tempo, dinheiro etc. E essa leitura salteada e desatenta nem de longe se limita a e-mails; ela se aplica a qualquer tipo de texto eletrônico.” Registre-se que efetuei diversas palestras sobre o tema em universidades, em centros culturais e para outras plateias predominantemente jovens, logrando plena atenção e gerando fecundo debate.
O tempo passa e hoje o e-mail é uma ferramenta muito pouco utilizada pelos mais jovens, ficando bem mais restrita à comunicação profissional. Em seu lugar surge o WhatsApp, aplicativo disponível nos aparelhos celulares e que como meio de comunicação já supera largamente aquele para o qual o celular foi concebido: a telefonia. Basta lançarmos um olhar ao redor e veremos que, em toda a parte, uma grande quantidade de pessoas está lendo ou escrevendo mensagens via WhatsApp. No metrô, nos ônibus, nos restaurantes, na plateia de cinemas, teatros e de shows, caminhando nas ruas, no interior dos lares, em qualquer lugar. Crescentes alertas quanto a esse abuso parecem relegados ao total descaso. A postura corporal exigida no uso do aplicativo causa problemas na coluna vertebral. O desperdício de precioso tempo em consultar e responder à mensagens tantas vezes irrelevantes, redundantes, notadamente de extensos grupos de contatos. O surgimento do estresse, da ansiedade. O risco incorrido ao dirigir teclando o WhatsApp, uma postura ainda mais perigosa e irresponsável do que falar ao celular. A atenção posta no aplicativo em locais públicos, notadamente nas ruas, expõe o usuário à um ponderável risco de assalto, queda, atropelamento.  E a escrita? Muito mais do que no moribundo e-mail, a escrita no WhatsApp dolorosamente maltrata o vernáculo. Não se trata aqui de pretender que seus usuários sejam um Machado de Assis ou um Carlos Drummond de Andrade, mas, sim, que redijam com um mínimo de consistência, para se fazer entender corretamente pelo interlocutor.
E há o problema do desencontro. Curiosamente, os aplicativos feitos para aproximar as pessoas, utilíssimos para aquelas fisicamente distantes, acaba por afastar as muito próximas, até mesmo literalmente ao lado. Tente falar alguma coisa com um dependente do WhatsApp enquanto ele checa ou digita suas mensagens. Você terá a nítida impressão de estar falando para as paredes, de que suas palavras simplesmente não são captadas, respostas “hum...hum... aham...aham...” ao seu pedido de confirmação de escuta não lhe darão nenhuma garantia de recepção. A propósito, acabo de receber um WhatsApp em que dois homens estão sentados à mesa de um restaurante. O mais velho tenta obter respostas do mais novo que, atracado ao celular, somente grunhe, se tanto. Num dado momento, o mais velho, irritado, arranca o celular da mão do jovem e o atira longe. “O que é isso, você não pode fazer isso, cara, tá maluco? – protesta o jovem. É quando surge em cena um terceiro personagem que ensina que “É claro que pode, pode sim, de acordo com a Lei 12.944, recentemente aprovada pelo Congresso Nacional, você pode quebrar o aparelho celular daquele que não prestar atenção naquilo que você está falando.” Trata-se, é claro, de um hoaxe, citando uma lei inventada, que seria absurda até mesmo num país surreal como o Brasil. Mas há quem acredite na mensagem, e a repassa, afinal: “Ninguém mais checa nada”, não é? Brincadeira a parte, o fato é que o checador/remetente de mensagens não está ali ao seu lado, está na nuvem. Não escutará o que lhe foi falado e, consequentemente, daquilo não terá qualquer lembrança, podendo até negar ter ocorrido a fala do outro, ensejando um problema na relação.
Para que se tenha a memória de um momento é necessário que ele seja vivenciado, a pessoa precisa estar presente, com seus sentidos em alerta. Como poderá alguém reter na memória aquilo que sequer foi captado pelos sentidos, no caso ilustrado, pela audição?  Como escreve a psicóloga Linda Davidoff (MAKRON Books,1980), “perceber, estar consciente, aprender, falar e resolver problemas, tudo isso requer aptidão para armazenar informações. A percepção e a consciência muitas vezes dependem de comparações entre o presente e o passado. A aprendizagem exige a retenção de hábitos ou de novas informações. Para falar é preciso lembrar-se das palavras e de pelo menos algumas regras gramaticais. A solução de problemas baseia-se na retenção de cadeias de ideias. Mesmo as atividades geralmente consideradas não intelectuais, tais como mexericar ou lavar pratos, dependem da capacidade de recordar. De fato, quase tudo o que se faz depende da memória.” Como retemos acontecimentos na memória? Estando atentos, prestando atenção, vivenciando os fatos. E pelo exercício da técnica da mneumônica, uma associação de ideias ou fatos difíceis de reter a outros mais simples e familiares, logra-se uma extensão da capacidade da memória, podendo-se recordar de fatos ocorridos há muitos e muitos anos.
Ninguém em sã consciência está pregando a satanização do WhatsApp. Ele deve ser usado como importante conquista tecnológica, para transmitir mensagens relevantes ou meramente lúdicas, mas atentando-se para a contrapartida altamente nociva da dependência ao seu uso.
Maio/2018

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