Coronavírus - a tempestade se
avizinha
Começo a escrever hoje, dia 15 de
março de 2020, um domingo. Aqui no Brasil, a tomada de consciência da nova
praga, o coronavírus, cientificamente Covid-19, começou lentamente. Inicialmente
era um vírus surgido na China, possivelmente transmitido ao ser humano pelo
bizarro costume dos chineses em comer morcegos e outros seres que nos parecem
repulsivos. Não se sabia ao certo. Não tomamos qualquer providência concreta em
relação a uma possível chegada do vírus ao país. Os festejos carnavalescos
transcorreram normalmente, com a concentração de milhões de pessoas nas ruas,
notadamente no Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador. Cinemas, teatros, casas de
shows, eventos esportivos em estádios, as escolas, academias de ginástica,
bares, restaurantes e inúmeros outros locais de aglomeração de pessoas não davam
maior importância ao que se passava no outro lado do planeta. Mesmo quando em
nossa querida Itália, um dos primeiríssimos destinos do turismo mundial, e para
onde tantos brasileiros viajam, os casos começaram a surgir e se multiplicar,
se deu uma atenção maior. No Rio de Janeiro a grande preocupação era com a
péssima qualidade da água fornecida pelo abastecimento público, subitamente
contaminada.
Até que uma notícia chamou a atenção:
no dia 26/02, ainda durante os festejos carnavalescos em diversas cidades, um
brasileiro, residente em São Paulo, ao retornar de uma viagem da Itália fora
testado positivo para o coronavírus. Era o primeiro sinal de alerta. Não
demorou a surgir um segundo caso, agora no Rio de Janeiro. Sabia-se ser intenso
o fluxo de turistas entre os dois países, era hora de se pensar seriamente no
assunto. E junto com providências concretas que começavam a ser tomadas pelas
autoridades, iniciou-se o que hoje é uma histeria nas redes sociais. Mensagens
que vão desde a completa negação da malignidade do vírus, seria mais fraco do
que uma simples gripe, às alarmistas, geradoras de pânico, ambas como partidas
até mesmo de supostas autoridades médicas. Mal damos conta de abrir todas as
mensagens recebidas em nosso WhatsApp. Algumas são de uma estupidez tão
evidente que causaria pena não fosse o poder que tais mensagens podem causar
nos mais crédulos. Tempos perfeitos para o abominável exibicionismo das
fakenews. A grande mídia, que sempre se gratificou em noticiar tragédias,
também embarcou em uma obsessão com o tema. A televisão e os jornais exploram
ao máximo o tema.
De um único caso diagnosticado, hoje,
decorridas pouco mais de duas semanas, o número de infectados subiu para
200. Finalmente providências concretas
acabam de ser tomadas, como o fechamento de todos os espaços de aglomeração de
pessoas, para reduzir o risco de contágio. Todos? Não. Basta olhar os
superlotados vagões do metrô e dos trens, dos ônibus e de outros meios de
transporte público. E os supermercados, os shopping centers, fábricas, os
escritórios, os hospitais. É difícil. Aconselha-se às pessoas a não saírem de
casa, salvo em real necessidade. Há uma corrida para comprar toda espécie de mantimentos
que virão a necessitar durante a hibernação de sabe-se lá quanto tempo, o que
nos transforma no texugo, pequeno mamífero recolhido em sua toca, no conto de
Kafka (A Toca). E que mantimentos seriam esses? Desde alimentos e produtos de
limpeza em geral até aqueles demandados por uma preocupação com a higiene
pessoal. Alcoolgel, máscaras, luvas e outros itens normalmente utilizados por
profissionais da saúde começaram a desaparecer das prateleiras das farmácias.
Assim como uma variedade de fármacos, no pressuposto de fortalecimento do
organismo contra o contágio ou de mitigação do sofrimento quando já infectado.
Afinal, o que concretamente devemos
fazer? Vou me ater a um conselho absolutamente básico, o de evitar toques entre
as pessoas, e lavar as mãos com frequência, para ilustrar as dificuldades na
prevenção. A todo momento estamos tocando em algum objeto potencialmente
infectado. Nossas roupas, utensílios de cozinha, maçanetas de portas,
interruptores de luz, corrimões de escadas, carrinhos de super mercados,
teclados e computador de controle remotos de equipamentos eletro - eletrônicos e,
dentre muitos outros, e principalmente, o indefectível celular, o dinheiro em
nossos bolsos e o cartão de crédito. E, particularmente os enamorados, seguirão
essa recomendação de evitar o toque? E o que dizer do doce beijo?
Retornando à Itália, leio que “Autoridades
da Itália anunciaram dia 14, sábado, o maior aumento no número de infecções por
coronavírus desde o início da epidemia no país. Foram identificados 3.497 novos
casos nas últimas 24 horas, uma elevação de 20% em relação ao dia anterior. O
total de pessoas infectadas com o Covid-19 na Itália agora é de 21.157, com 175
mortes, no país europeu mais afetado pelo vírus. De acordo com o serviço
nacional de saúde italiano, pouco mais da metade dos novos casos foram
identificados na Lombardia, a populosa província no norte da Itália que é um
dos epicentros da epidemia no país. Fonte: Associated Press.” (*). Enquanto
escrevo este texto, ligo a televisão para ver o programa de abertura do novo
canal, a CNN. O número de mortos já se elevou enormemente em relação ao
mostrado no link acima. Somente hoje, 15 de março, 368 mortes. A tendência é de
aumentos sucessivos.
Estas funestas estatísticas me
transportam de imediato ao livro “A peste” do Albert Camus, escrito em 1947 e
que, casualmente (ou não?) comprei há mais de um mês, antes do pânico. Nele, o
grande escritor descreve uma peste que ele situa na cidade de Orã, Argélia,
transmitida por ratos, e que vai dizimando a população sem que os esforços das
autoridades consigam controlá-la. Os hospitais não têm mais leitos para acolher
os enfermos. O exponencialmente crescente número de mortos é divulgado de forma
já quase burocrática, cerimonias fúnebres são proibidas (vou poupar aos leitores
a descrição da maneira como os mortos passaram a ser enterrados), as pessoas
são proibidas de sair e de entrar na cidade, ficam um tanto anestesiadas. É tão terrível que estou no meio do livro,
avançando com dificuldade, não sei como vai terminar aquela terrível alegoria.
Salvo pelo horrível sofrimento dos
infectados, e pela letalidade, quase absoluta na “peste” imaginada por Camus, a
Itália tem muitos pontos em comum com a Orã do romance. A drástica restrição da
circulação das pessoas em todo o país é o exemplo mais patente. Segue mensagem,
devidamente traduzida, que recebemos hoje, de uma cara amiga italiana residente
em Torino, norte da Itália:
“Infelizmente a situação é muito
séria, estamos todos em casa, não podemos sair. Podemos sair somente para
comprar alimentos e tudo sob controle. Existe distancia de segurança nos
supermercados. Deve-se esperar fora, dentro não podemos estar mais que 3
pessoas. As cidades estão vazias, não há ninguém nas ruas. Torino fechou e logo
será Milão. Somos os que sofremos o maior golpe. A situação é dramática, esperando
que se tenha êxito em contê-la, se teme pelo centro da Itália e pelo sul, onde
a estrutura hospitalar é muito carente. Me desagrada, mas neste momento não
convém viajar. O meu voo previsto para 4 de abril para a Sicília foi cancelado.
No momento, tudo bem...”
Mesmo no sul do país, região até o
momento muito menos afetada pela doença, as pessoas devem permanecer em casa.
Sair, só em caso de justificada necessidade, devendo-se preencher um formulário
e mostrá-lo ao agente policial na rua, sob pena de pagamento de multa e
detenção pelo prazo de 3 meses. A informação é de minha sobrinha, italiana
naturalizada, e que vive com a família que lá constituiu. A Itália, que em
nossa fantasia é tão esculhambada como o Brasil, está dando um exemplo de como
conter a transmissão do vírus.
Aqui, no Brasil, a pandemia chega em
péssimo momento. A sociedade encontra-se polarizada, não são muitas as vozes
que clamam por um mínimo de respeito ao outro. A discussão sobre a doença já
está politizada. Voltando ao livro de Camus, o narrador lamenta que “a única
maneira de juntar as pessoas é mandar-lhes a peste”. O que os poderes constituídos
poderão fazer? Já estão tomando providências, ainda tímidas, comparadas àquelas
adotadas primeiramente pela China, que anuncia já ter controlado a propagação
do vírus, e agora por países europeus. Paralelamente, muitas teorias
conspiratórias abundam na busca do porquê esse vírus surgiu na China. Seria
proposital, no sentido de que a China se beneficiaria da crise econômica
mundial provocada pela epidemia e, com seus vastos recursos disponíveis,
compraria a baixo custo empresas em graves dificuldades financeiras? Seria uma
falha no desenvolvimento de uma arma biológica secreta? O vírus teria sido
levado por militares norte-americanos à cidade chinesa onde ele foi primeiramente
detectado? Ou, a causa foi realmente a transmissão do vírus de um animal, o morcego,
talvez, para o homem? Creio que, de fato, nunca saberemos, assim como não
sabemos a extensão do mal que nos aguarda.
O fato é que a economia mundial já
está sofrendo tremendamente o impacto das medidas tomadas pelos diversos governos
para enfrentamento do problema. E os efeitos perdurarão por um longo tempo,
atingindo brutalmente países e as pessoas. Não somente a Itália, mas agora
também Espanha, França, Portugal e Estado Unidos, para citar alguns países,
estão restringindo viagens, comercio externo e muitas atividades que movimentam
a economia. Ou seja, algum dia (quando?) o vírus será controlado, como foi o da
célebre Gripe Espanhola que grassou ne época da Primeira Guerra Mundial e que,
estima-se, matou cerca de 5% da humanidade (algumas fontes registram um
percentual significativamente maior). Este de agora, felizmente, parece não
apresentar a mesma letalidade. Oremos.
(*) https://istoe.com.br/casos-de-infeccao-por-coronavirus-na-italia-ultrapassam-a-marca-de-21-mil/
Acesso em 15/03/2020
José
Antonio C. Silva
15/03/2020
Meu Caro, conforme você observou, sua crônica é auto explicativa e aborda tudo que está sendo veiculado na imprensa e motivo do pânico que aos poucos vai tomando conta da nossa população.
ResponderExcluirParece-me que a única solução concreta será a descoberta de uma vacina contra o maldito vírus. Entre as inúmeras mensagens enviadas por WhatsApp, há uma que noticia a descoberta de uma vacina pelos israelenses, mas como várias outras postagens, deve ser fake.
Esperamos todos conseguir sobreviver e podermos conversar sobre sua crônica em um futuro próximo.
Seu relato é um alerta para a dimensão do problema do coronavírus. Fez-me refletir sobre a responsabilidade coletiva e sobre a importância de compreendermos o que está por vir em nosso país. É um tempo assustador. Excelente!
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