Só faltam duas semanas
Faltam duas semanas para que
nos digam que faltam duas semanas para nos dizerem que faltam duas semanas para
a quarentena acabar.
É minha
terceira crônica sobre a pandemia, a qual me refiro como A Peste, em homenagem
à Albert Camus, cujo livro com esse título foi abordado em minha crônica
anterior, “A Toca, de Franz Kafka, e o Covid-19”, da qual reproduzo alguns trechos.
O prólogo é um chiste que circula pelas redes e bem representa o momento em que
estamos mergulhados em incertezas. E quanto à duração da peste essa é uma das dúvidas
mais angustiantes.
A mídia em
geral – os jornais e os canais de televisão – parecem regozijar-se com
tragédias, sejam elas de que natureza for, e onde quer que elas ocorram. É
fastidioso acompanhar o macabro noticiário sobre as estatísticas dos
contaminados e dos óbitos. Recorremos, então, às redes sociais, que estão
excitadas como nunca. A peste é assunto onipresente. E, como não poderia
faltar, há uma avalanche de fake news, algumas tão óbvias que causa
espanto a intenção de sua criação. Fake news é um tema recorrente nos
meus escritos. Para citar apenas um, recente, percorre as redes um vídeo em que
uma voz feminina informa que médicos italianos descobriram, após exumação de
cadáveres e autópsia de vítimas do COVID-19, que a causa da morte não havia
sido um vírus, mas, sim, uma bactéria!!! E que aquelas pessoas poderiam ter
sido salvas simplesmente através de tratamento com aspirina e antibióticos.
Simples assim... Mesmo certo de que se tratava de uma notícia falsa, consultei
um médico italiano, casado com minha sobrinha, residentes na Itália, que
respondeu de imediato: fake. O grave nisso tudo é que divulgação de
falsas notícias pode induzir os crédulos a sérios erros.
Somos
soterrados por mensagens que vão desde a minimização do problema até a
paranoia. Cada um tem a sua verdade, quando de fato ninguém tem uma rigorosa
comprovação científica de coisa alguma. Recebemos uma enorme quantidade de
mensagens - textos e vídeos – de médicos e de outras autoridades na área da
saúde, cada um mais douto que o outro, atestando a eficácia de tratamentos os
mais variados, baseados na utilização de drogas há muito conhecidas e aplicadas
com diversas finalidades. Elas seriam muito efetivas no combate à infecção, e
até mesmo na prevenção da contaminação pelo vírus. Argumentos contrários à
essas indicações são refutados como tendenciosos: como são medicamentos de
baixo custo, a indústria farmacêutica não tem interesse na enorme ampliação de
seu uso, gananciosamente trabalham na pesquisa de alguma vacina que lhe
proporcionará um lucro em escala monumental.
A propósito da
vacina, a Organização Mundial da Saúde (OMS) advertiu (03/ 08/2020) que talvez
nunca exista uma "solução" contra o coronavírus, apesar da corrida
contra o tempo de laboratórios e países para obter uma vacina. "Não há
solução e talvez nunca exista", afirmou o diretor-geral da OMS, Tedros
Adhanom Ghebreyesus, em uma entrevista coletiva virtual.... - Veja mais em (*).
Entretanto, a OMS tem sido habitual em mudar de posição a respeito da pandemia
com uma surpreendente velocidade, não creio que mereça credibilidade no tocante
ao tema. De qualquer modo, não faltam mensagens inquietantes afirmando que
mesmo aqueles que já contraíram e se curaram da doença não estarão
permanentemente imunizados, uma vez que o vírus é mutante, surgirá em novas
formas. Horror que angustiaria o nosso Camus.
Na data em que
começo a escrever estas linhas, 06/08/2020, a quarentena completa cerca de 5
meses de sua implantação em nosso país. Embora houvesse quem, de início, resistisse,
muitos outros a acataram, especialmente os idosos e/ou portadores de outros
fatores de risco. E foram muitas as razões para tal isolamento. Na contramão
dos que minimizavam a ameaça do vírus estavam aqueles que reconheciam o risco e
tomavam suas cautelas, e também aqueles que são tomados pelo pânico, vendo o
fantasma do vírus espreitando em toda parte. Escrevem protocolos para entrada e
saída de casa. As ruas, as calçadas, os bancos das praças estão contaminados. Os
elevadores e as escadas dos edifícios ocultam o vírus da Peste. Os sapatos e as
roupas são transmissores, ao chegar da rua, para onde não deveriam ter ousado
ir, devem separar e providenciar a pronta esterilização dessas peças de vestuário.
Os pneus do carro, ao rolar sobre as ruas infectadas, e a própria chave de
ignição, são outros solertes introdutores da peste em nossas moradias. Os
alimentos e outros itens que adquirimos nos mercados estão igualmente
contaminados. Nem pensar em sacar dinheiro para fazer pagamentos, deve-se usar
o cartão de débito ou de crédito, e desinfetá-los imediatamente após o uso, e
não receber o comprovante de pagamento emitido pela maquininha sinistra.
A peste
igualmente penetra em nossa toca através dos correios, do entregador do jornal,
dos serviços de delivery. Dentro de nossas casas é essencial estarmos
atentos a cada esconderijo do vírus. Ele está em nossos celulares, em nossos
computadores, em nossos aparelhos de telefonia fixa. Nos aparelhos
eletroeletrônicos, na fiação e em seus controles, nos interruptores de luz. Na
louça e nos utensílios de cozinha. Nas maçanetas das portas e em suas chaves,
nas torneiras, nas tampas dos sanitários. Em nossas roupas, em nossa pele, em
nossos cabelos. Ele é onipresente. A cada instante temos que lavar as mãos com
sabão, com álcool gel. O contágio se faz pelo ar. Dentro deste quadro seria
praticamente impossível escapar. Na angústia de saber se está contaminada, sem
apresentar ainda os sinistros sinais da doença, muitas pessoas recorrem aos
testes, cuja confiabilidade está longe de ser absoluta. Assim sendo um teste
pode apresentar um resultado falso positivo ou falso negativo. Circula nas redes, inclusive, um vídeo de uma
intitulada autoridade médica afirmando categoricamente a inutilidade dos
testes.
Trancafiados
em casa, mesmo que em ambientes confortáveis, o que não é, em absoluto, o
padrão residencial em nosso país, os confinados começam a imaginar outros
perigos à espreita. Risco de quedas com fraturas (acontecem, sou testemunha),
queimaduras graves, cortes profundos, insurgência de alguma doença que os
obriguem a recorrer a um atendimento emergencial que os exporiam ao risco do
contágio. Corre-se o risco de, na toca, contrair-se um vírus muito mais danoso
que o COVID-19: o vírus da loucura. Mas há aqueles que procuram banalizar as
condições de confinamento, dizendo ser uma boa ocasião para ler, escrever, escutar
música, etc. Tal argumentação a mim não se aplica, em absoluto. As mencionadas
atividades sempre encontraram espaço em minha vida; pelo prazer e pela
importância que a elas atribuo, não necessito estar confinado para exercê-las. Inversamente,
o estresse do confinamento tem efeito contrário à minha criatividade. Existe a
alternativa de assistir-se filmes, extensivamente utilizada, e as Lives. Juntar
pessoas diante de uma tela de televisão, de um computador, ou de um celular é,
inegavelmente, de grande valor quando elas estão fisicamente separadas por
grandes distancias, em cidades ou mesmo países distintos, e que, mesmo antes da
peste, raramente, ou nunca, teriam a oportunidade de um congraçamento
presencial. É igualmente muito útil para divulgação de conhecimentos sobre
temas variados, aulas, tele atendimento médico e psicológico (ambos com limitações),
reuniões de trabalho e tantas outras atividades. Entretanto, é um pobre
substituto para aqueles que têm por hábito encontrar-se fisicamente, curtir uma
ida ao cinema, a um show, a um bar, à praia, um passeio. Nada no mundo virtual
pode substituir o olho no olho, o toque, o aperto de mão, o abraço, o beijo.
Mas, as
pessoas estão se cansando do isolamento. De fato, é muito chato suportar um
longo isolamento, interrompido apenas por saídas furtivas, por necessidade ou
meramente para quebrar a rotina do confinamento. Sem uma evidência insofismável
de que a ameaça do vírus se afasta, começaram a ser implementadas medidas de
abertura nos municípios, cada um deles seguindo critérios próprios. A
frequência às praias, shopping centers, clubes, academias, bares e muitos outros
locais vem sendo liberada, guardadas as restrições próprias a cada caso. Na
Zona Sul da Cidade do Rio de Janeiro e na Região Oceânica de Niterói, lugares
onde eu fisicamente posso constatar, as máscaras começam a cair, e as pessoas a
buscar maior socialização. Esperemos que seja um movimento sem volta, que
estejamos de fato em uma estabilização, ou mesmo decréscimo na curva que
demonstra a evolução da peste. Seja lá
quando efetivamente a peste refluir de maneira insofismável, quando não ocorrer
qualquer movimento pendular de retração, e a figura do mascarado começar a ser apenas
uma lembrança incorporada ao imaginário de nossas cidades, assim como o uso do
alcoolgel.
Finalizo
lamentando que a questão do vírus tenha sido contaminada pelo partidarismo
político. Na busca de bodes expiatórios travam-se acerbas discussões onde todos
se julgam donos da verdade. As estatísticas de contágio e de fatalidades
estariam falseadas, para mais ou para menos, com objetivos escusos, criminosos.
Teorias da conspiração são construídas para se ajustar à inclinação ideológica
de cada um. O vírus desconhece ideologias, ele contamina, faz adoecer e mata
seres humanos independentemente de raça, credo, cor ou convicção política. O
mais sensato seria usarmos o nosso discernimento para julgar com isenção o
turbilhão de mensagens que nos assola, cuidando de fazer com autenticidade as nossas
escolhas quanto a como proceder diante de tamanho quadro de incertezas.
José Antonio
C. Silva
07/08/2020
Amigo, seu texto é impactante. Você compartilha seus sentimentos neste nosso momento tão difícil. É realista e nos faz refletir sobre nossas posições. Uma maravilha de texto!!!
ResponderExcluirVocê tem um estilo único!Objetividade e realidade sem passividade (o que mais admiro!), e sempre nos arrancando da inércia para construção de conhecimento e de atitudes.
ResponderExcluirCada parágrafo do seu belo texto, descreve com exatidão todas as mazelas que atingem em cheio uma população mundial hoje de 7,8 bilhões de pessoas e finaliza alertando para as incertezas que nos esperam, tornando difícil prever o que nossos filhos e netos encontrarão em um futuro próximo.
ResponderExcluirVivemos hoje na era do "paradoxo socrático" em que muitos não fazem o mal voluntariamente, mas por ignorância, pois a sabedoria e a virtude são inseparáveis, enquanto outros fazem o mal propositalmente, trazendo consequências irrecuperáveis para a humanidade, cito como exemplo as pandemias, os atentados, a política perversa e etc. Apesar destes tempos difíceis temos que ser otimistas, continuar fazendo algo para que seja digno o tempo que nos resta.
Muito bom texto. Passamos juntos a maior parte do tempo no inicio da quarentena, me ajudou muito a manter a sanidade mental estar com pessoas amadas.
ResponderExcluirMuito bom texto. Passamos juntos a maior parte do tempo no inicio da quarentena, me ajudou muito a manter a sanidade mental estar com pessoas amadas.
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