O que é isso, Gabeira?
“Acabo de assistir ao documentário
sobre as redes “The Social Dilemma”. É assustador mesmo para mim, que tenho
tratado do tema, sobretudo pelo ângulo das fake news e teorias conspiratórias
que impulsionam o tecnopopulismo de direita.” Assim começa a crônica de
Fernando Gabeira publicada no jornal O Globo, de 21/09/2020 (veja na íntegra em
https://oglobo.globo.com/opiniao/o-dilema-das-redes-sociais-24650084.)
comentando o documentário em questão, disponível no Netflix: “O Dilema das
Redes.” - Especialistas em tecnologia e profissionais da área fazem um alerta:
as redes sociais podem ter um impacto devastador sobre a democracia e a
humanidade.
Meu comentário sobre o texto do
Gabeira:
Fake news e teorias conspiratórias
que inspiram o tecnopopulismo de direita? Só de direita, Gabeira? As redes
sociais, a internet em geral, há muito vêm se constituindo em um campo de
guerra suja entre os dois espectros extremo da política suja. Mas o imenso
risco trazido pelo uso abusivo da internet vai muito, muito além da manipulação
política, passa pelo feitiço que o seu uso abusivo lançou sobre as pessoas, a
nova geração e as nossas crianças. De minha parte, já escrevi muitos textos e
dei palestras sobre o tema. Não tenho um milésimo da visibilidade do Gabeira, a
quem aprecio, mas confesso que fiquei surpreso com aquela sua introdução ao
artigo que analisa o documentário, que também assisti, excelente, por sinal.
Sobre os perigos do enfeitiçamento do homem pela técnica creio que o primeiro e
mais fundamental alerta veio de Heidegger, em vários de seus textos,
notadamente “A questão da técnica”, e outros, muito antes da internet. De lá para
cá tenho lido muitos autores especialistas na área tratando do tema, alertando
sobre os terríveis, terríveis, sim, riscos para a humanidade embutidos no uso
abusivo de um instrumento que, usado com inteligência, sobriedade e caráter
propicia imensos benefícios à humanidade. Cabe ao homem fazer sua escola, é
livre para isso, como pregava o velho Sartre, citado pelo Gabeira.
Sobre o documentário:
Já na abertura surge a expressão
“Nada grandioso entra na vida dos mortais sem uma maldição” – Sófocles, dando o
tom do que virá a seguir, uma devastadora crítica apresentada por um grande
número de profissionais da área, extremamente preocupados com o que está
acontecendo com a transformação de uma utopia em trágica distopia. Outras
frases de efeito surgem ao longo do filme: “Qualquer tecnologia avançada é
indistinguível da mágica” – Arthur C. Clarke (1). “Existem apenas duas indústrias
que chamam seus clientes de usuários: a de drogas e a de software”- Edward Tufte
(2). Muito sintomático é ainda a voz ao fundo da cantora Nina Simone cantando
trechos da canção “Put a spell on you “ (Coloquei um feitiço em você). Não
lembra Heidegger? Enfim, o documentário deve ser visto com muita atenção ao
mostrar os terríveis efeitos que o feitiço lançado pela informática já causa em
tantas áreas – saúde física e mental, comprometimento de tempo, empobrecimento
cultural, robotização das pessoas, deterioração das relações etc.-, e pode
causar ainda efeitos muito mais poderosos se não houver uma urgente tomada de
consciência pelos humanos. Para finalizar, voltando ao Gabeira, dentre os
tantos danos potencializados pelas redes sociais o documentário fala da
polarização das sociedades, criando um fosso intransponível entre duas facções
que se odeiam de uma forma visceral. E textualmente se afirma que as coligações
de centro, que eram maioria, perderam essa maioria para os populistas de
extrema direita e de esquerda (o grifo é meu). Particularmente notável na
disseminação do ódio são as fake news, abomináveis, e as teorias da
conspiração, que de mera hipótese, ainda que bem engendradas, são logo tomadas
como verdades incontestáveis.
(1) Arthur Charles Clarke, mais conhecido
como Arthur C. Clarke foi um escritor e inventor britânico radicado no Sri
Lanka, autor de obras de divulgação científica e de ficção científica como o
conto The Sentinel, que deu origem ao filme 2001: Uma Odisseia no Espaço e o
premiado Encontro com Rama.
(2) Edward Rolf Tufte é professor emérito
de estatística, design gráfico, e economia política na Universidade de Yale,
além de ser um dos mais importantes especialistas em infografia.
José Antonio C. Silva
23/09/2020
Mais um excelente texto, do prolífico e excelente Escritor/Blogger, José Antonio de Carvalho e Silva, sempre nos brindando e abordando, de maneira brilhante e, verdadeiramente didática, concisos, porém muito esclarecedores.
ResponderExcluirParabéns, caro José Antonio, continue nos presenteando com seus ótimos textos.
Querido amigo, você sempre nos oferece oportumidades únicas de reflexão. Assisti ao documentário e este nos alerta para o perigo das manipulações que podem advir do mau uso da tecnologia. Heiddeger já nos alertava há tempos, parece premonição, mas é a filosofia que nos abre os olhos. Esta é uma mudança grandiosa e importante. Devemos nos preocupar com a responsabilidade do uso da tecnologia frente aos perigos que a inteligência artificial pode significar. É uma questão de escolha, como você diz. Temos que acordar para não virarmos zumbis.
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ResponderExcluirVeja texto:
ResponderExcluirExcelente texto crítico do documentário “ O Dilema das redes sociais” e mostra como a crônica do Gabeira publicada no dia no dia 21/09 é tendeciosa, diferentemente do mostrado no filme, pois imputa somente à direita pelo uso indevido das tecnologias de informação hoje disponíveis.
Após sua abordagem bem completa sobre o texto do Gabeira e "O Dilema das Redes Sociais", não há necessidade de acrescentar nada, mas mesmo assim vou ousar tecer 2(duas) considerações.
ResponderExcluirO que esperar das crônicas contra a direita assinadas pelo Gabeira? Entendo particularmente até como naturais, tratando-se de pessoa que participou da luta armada, foi preso, torturado, trocado pela libertação do embaixador americano, exilado e só retornou ao Brasil em 1979, parecendo-me natural que tenham ficado sequelas desta fase de sua vida. Por mais que não queira deixar transparecer, acho que hoje faz parte da esquerda caviar.
Quanto as redes sociais, acho que seria errado dizer que são ruim universalmente, porque são inegáveis os benefícios que trazem a nossas vidas. O problema como todo vício, são os excessos, afetando as pessoas de maneiras diferentes, dependendo de condições pré-existentes e diferentes traços de personalidade. A bebida socialmente, por exemplo, é natural, mas o alcoólatra já precisa de tratamento sério para se livrar do vício.
As pessoas hoje em dia estão utilizando as redes sociais para desabafar sobre tudo, cito as questões políticas como um dos exemplos, levando as pessoas a uma corrente infinita de estresse e desavenças de opiniões.
Poderia citar vários outros problemas encontrados nos viciados das redes, muito bem abordados por você, mas como a crônica é sua não quero me alongar e paro por aqui, lembrando da responsabilidade dos pais na educação de seus filhos, pais que entregam tablets e telefones celulares antes que seus rebentos estejam emocionalmente amadurecidos para manuseá-los.
Parabéns e forte abraço.