JUSTIÇA PARA TODOS
“PONTO:
Compulsando o processo, percorrendo
cuidadosamente cada uma de suas páginas, o que ressalta é a inequívoca
culpabilidade do acusado. É tamanha a massa de provas contra ele, tão sólidas
as evidências do cometimento de todos os crimes que lhes são imputados, que não
resta outra sentença a prolatar: sentencio o réu à liberdade perpétua.
CONTRAPONTO:
Estamos insofismavelmente
confrontados com um caso de inequívoca culpabilidade do acusado. A sua retidão,
o seu caráter incorruptível, a sua obsessiva e intransigente defesa da verdade,
todas essas características representando grave ameaça à ordem constituída,
conduzem, de forma inelutável, à única sentença possível: condeno o réu, pelo
crime da honestidade, à prisão perpétua.
Volto a postar esse texto [no
Facebook, 2017], por considerá-lo mais do que oportuno face à recentes
acontecimentos”.
A memória do texto acima, escrito por
mim após uma troca de ideias com meu irmão Paulo de Carvalho, e postado pela
segunda vez em minha página do Facebook em 2017, trouxe à minha recordação uma
fala muito mais antiga, de ninguém menos que Ruy Barbosa (1849 - 1923), há
cerca de um século, e que já tratava da devassidão dos costumes em nosso país.
Ruy, o ¨Águia de Haia”, pela sua brilhante participação na Segunda Conferência Internacional da Paz de
Haia, em 1917, sabia do que estava falando, intelectual, político, advogado,
jornalista, diplomata orador e escritor que era.
¨De tanto ver triunfar as nulidades;
de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça. De tanto
ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se
da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto”.
O meu texto sob PONTO, a absolvição
de um comprovadamente culpado, pode ser tomado como uma alegoria à fala de Ruy
Barbosa, repito, há cerca de um século!
A corrupção e seu acobertamento pela justiça vem de longe, muito longe.
Já aquele texto sob CONTRAPONTO seria
uma alegoria ao sucedido ao personagem central do livro “O Processo”, de Franz
Kafka, um dos escritores mais relevantes do Século XX. O que acontece no conto?
Joseph K, funcionário de um banco,
recebe, ao acordar, a visita na pensão onde morava de dois agentes policiais
para lhe comunicar que ele está sofrendo um grave processo judicial. Joseph K,
homem de ilibada conduta, estranha, não atina para a causa do processo, alega
ser inocente, não ter praticado crime algum. Os policiais o conduzem à presença
do oficial que os comandava, e que, julgava ele, esclareceria as razões de sua
detenção. Mas o oficial limitou-se a adverti-lo que ele continuaria em
liberdade provisória, até se apresentar ao Tribunal, em data previamente
marcada, para o interrogatório. A data chegou, e perante o juiz do Tribunal, K.
reiterou sua alegação de inocência. Terminada a audiência, sem que ele fosse
informado do teor das acusações, o acusado retira-se e fica a aguardar o
desenrolar do processo. Decide contratar um advogado, um homem doente e
assistido por uma enfermeira. O advogado lhe diz que “a hierarquia da Justiça
compreende graus infinitos, entre os quais se se perdem os próprios iniciados”.
K. desiste do advogado. E assim o personagem segue uma angustiante e frustrante
busca em diversas instancias até que um dia dois homens vêm leva-lo de sua
morada. Chegados a um local ermo, os homens, sem pronunciarem palavra,
agarram-no e o esfaqueiam até a morte. Joseph K, um inocente, era executado sem
sequer saber qual a acusação que pesava sobre ele,
Assim como Joseph K, muitos inocentes
são injustamente condenados por falta de astúcia ou por não terem tido
condições financeiras para contratar um bom
advogado, entendido por bom aquele
profissional hábil e profundo conhecedor, dos bastidores dos tribunais e dos
inextrincáveis meandros da lei. Em suma, aquele que, diferentemente do advogado
contratado por Joseph K., compreende os graus infinitos da hierarquia da
Justiça, e a quem não importa se o cliente é culpado ou não, o que importa é
conseguir a sua absolvição a qualquer custo
José Antonio C. Silva
!2/04/2021
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ResponderExcluirExcelente e oportunissimo texto, no qual,seu autor mostra, mais uma vez, suas excelentes qualidades, remete a um anterior texto de sua autoria e mostra que, em qualquer tempo,o mesmo continua atual.Parabens
ResponderExcluirao brilhante autor, José Antonio, sempre nos brindando com seus ótimos escritos. Continue sempre!!!!!
Amigo,mais um texto de incentivo à uma importante reflexão. Você nos sinaliza um modo de fazer justiça que está pautado no.poder e longe dos valores sociais. Um modo injusto portanto. Belo texto! Muito a pensar.
ResponderExcluirMaravilha de texto!! Triste por nós trazer reflexões e certeza que não se pode esperar justiça nos tribunais! Pior, sempre foi assim!!
ResponderExcluirAs brechas da nossa constituição combinadas com recursos financeiros e o mau-caratismo resultam na persuasão/convencimento e, por fim, na injustiça! Texto apropriado ao momento, infelizmente; mas considero, também, um estímulo à luta por mudança. Muito bom, Zé! Parabéns!
ResponderExcluirBrilhante texto. Ao lê-lo me veio à mente outra frase do gênio Ruy Barbosa que gosto muito e acredito se encaixar com o sentido do texto: "Não há nada mais relevante para a vida social que a formação do sentimento de justiça." Sentimento esse raríssimo em nossa história.
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