domingo, 21 de março de 2021

O Vírus. Até quando?

 

O Vírus. Até quando?

 

E ele voltou, mais uma vez. Sua atuação começou a ser sentida no início do ano de 2020. Ele já fizera incontáveis outras excursões entre os humanos, com maior ou menor severidade, ora como vírus, ora como bactéria. A História registra sua trágica passagem em episódios particularmente macabros como aqueles que ficaram conhecidos como a Peste de Justiniano (ocorrida no reinado do imperador bizantino Justiniano, entre os anos 541 e 544), a Peste Negra, que assolou a Idade Média, e a Gripe Espanhola, nos anos 1917 e 1918. Os números de vítimas são absolutamente apavorantes, principalmente se tomados em proporção à população nas épocas das pandemias. E ele voltou, desta vez na forma de uma semente de mamona, uma bolinha recoberta de algo como espinhos. Recebeu o nome científico de COVID-19. A pandemia por ele causada foi de uma severidade descomunal, afetando em maior ou menor grau, a praticamente todos os países.

Mas, afinal, que vírus era esse, de onde surgira, como se transmitia, como precaver-se do contágio, como tratar-se, uma vez contaminado? Foram perguntas para as quais os mais renomados cientistas e pesquisadores jamais chegaram a um consenso. Diariamente as redes sociais eram inundadas com pronunciamentos de autoridades de diversos ramos da área de saúde, muito frequentemente em franca contradição uns com os outros.  Igualmente não chegaram a um consenso os políticos encarregados de administrar seus municípios, suas cidades, seus países. Uns pregavam o lockdown (confinamento), enquanto outros adotavam uma postura oposta. Não havia consenso nem mesmo em relação a adoção de medidas consideradas básicas na prevenção: o uso de máscaras, a higiene das mãos e o distanciamento social. A política invadiu o pensamento científico para contribuir para a desinformação. A mídia tradicional parecia se comprazer em dar destaque ao noticiário fúnebre e disseminar o pavor.

No mês de agosto do ano da irrupção da peste, a quarentena completara cerca de 5 meses de sua implantação no país. Embora houvesse quem, de início, resistisse, muitos outros a acataram, especialmente os idosos e/ou portadores de outros fatores de risco. E foram muitas as razões para tal isolamento. Na contramão dos que minimizavam a ameaça do vírus estavam aqueles que reconheciam o risco e tomavam suas cautelas, e também aqueles que são tomados pelo pânico, vendo o fantasma do vírus espreitando em toda parte. Escrevem protocolos para entrada e saída de casa. As ruas, as calçadas, os bancos das praças estão contaminados. Os elevadores e as escadas dos edifícios ocultam o vírus da Peste. Os sapatos e as roupas são transmissores, ao chegar da rua, para onde não deveriam ter ousado ir, devem separar e providenciar a pronta esterilização dessas peças de vestuário. Os pneus do carro, ao rolar sobre as ruas infectadas, e a própria chave de ignição, são outros solertes introdutores da peste em nossas moradias. Os alimentos e outros itens que adquirimos nos mercados estão igualmente contaminados. Nem pensar em sacar dinheiro para fazer pagamentos, deve-se usar o cartão de débito ou de crédito, e desinfetá-los imediatamente após o uso, e não receber o comprovante de pagamento emitido pela maquininha sinistra.

A peste igualmente penetra em nossa toca através dos correios, do entregador do jornal, dos serviços de delivery. Dentro de nossas casas é essencial estarmos atentos a cada esconderijo do vírus. Ele está em nossos celulares, em nossos computadores, em nossos aparelhos de telefonia fixa. Nos aparelhos eletroeletrônicos, na fiação e em seus controles, nos interruptores de luz. Na louça e nos utensílios de cozinha. Nas maçanetas das portas e em suas chaves, nas torneiras, nas tampas dos sanitários. Em nossas roupas, em nossa pele, em nossos cabelos. Ele é onipresente. A cada instante temos que lavar as mãos com sabão, com álcool gel. O contágio se faz pelo ar. Dentro deste quadro seria praticamente impossível escapar. Na angústia de saber se está contaminada, sem apresentar ainda os sinistros sinais da doença, muitas pessoas recorrem aos testes, cuja confiabilidade está longe de ser absoluta. Assim sendo um teste pode apresentar um resultado falso positivo ou falso negativo.  Circula nas redes, inclusive, um vídeo de uma intitulada autoridade médica afirmando categoricamente a inutilidade dos testes.

Contrariamente a essa histeria viria mais tarde pronunciar-se uma autoridade médica afirmando, entre outras coisas que: 1. Talvez tenhamos que morar com o COVID 19 por meses ou anos. *Não* vamos negar ou entrar em pânico. *Não* vamos tornar nossas vidas inúteis. *Vamos aprender a conviver com esse fato.* (...); 3. *Lavar as mãos é o melhor método* para sua proteção; 4. Se você *não tem* um paciente COVID19 em casa, *não há necessidade* de desinfetar as superfícies da sua casa; 5. Cargas embaladas, bombas de gás, carrinhos de compras e caixas eletrônicos não causam infecção. *Lave as mãos,* viva sua vida como sempre. (...); 8. Uma vez em casa, você *não precisa* trocar de roupa com urgência e tomar banho! Pureza é uma virtude, *paranoia não é!* ; 9. O vírus COVID19 *não está* no ar. Esta é uma infecção respiratória por gotículas que requer *contato próximo.*; 10. O ar está limpo, você *pode caminhar* pelos jardins, pelos parques, apenas *evite aglomerações; 11. É suficiente usar *sabão normal* contra COVID19, não sabão antibacteriano. Este é um *vírus, não uma bactéria*(...); 12. Você *não precisa* se preocupar com seus pedidos de comida. Mas você pode aquecer tudo no micro ondas, se desejar; 13. As *chances* de levar o COVID19 *para casa* com os *sapatos* são *como ser atingido* por um raio duas vezes por dia. Trabalho contra vírus há 20 anos - as *infecções* por gota *não* se espalham assim! (...) 17. A *imunidade* é muito enfraquecida ao *permanecer sempre* em um ambiente estéril. Mesmo se você comer alimentos que aumentam a imunidade, *saia regularmente* de sua casa para qualquer parque / praia. A *imunidade é aumentada* pela exposição a patógenos, não por ficar em casa e consumir alimentos fritos / condimentados / açucarados e bebidas gaseificadas, e não praticar atividades físicas.

Agora, a questão das vacinas. Desesperadas, as pessoas anseiam pela vacina que as colocará a salvo da peste. Não obstante a eficácia daquelas apresentadas até o momento não ser absoluta, e o fato de que há evidências de que o vírus apresenta mutações, as apostas estão sendo colocadas. E logo surgem notícias assustadoras. A vacina “B”, produzida por um prestigioso laboratório, resultou na morte de 33 idosos que receberam uma primeira dose da vacina, na Noruega, um país escandinavo de invejáveis padrões socioeconômicos e avesso a teorias conspiratórias. Justamente idosos, componentes de grupos de alto risco. Mas logo vem um desmentido, todos os dias morrem cerca de 45 pessoas em lares de idosos naquele país, e que não há qualquer comprovação de que aquelas mortes seriam decorrentes do COVID-19. Em outra postagem, essa vacina conteria em seu memorando, uma espécie de bula, um alerta, em inglês: “Para proteger a fertilidade alguns homens talvez queiram considerar o congelamento de seu esperma antes da vacinação.”  A vacina seria capaz de causar mutações genéticas, e causaria riscos à gravidez. O laboratório desmentiu categoricamente essas afirmações contidas em postagens que já contavam com muitos milhares de compartilhamentos. E quanto às demais vacinas? A aplicação da vacina “C” colocaria em sérios riscos os idosos acima de 65 anos.  A vacina “D” estaria sendo rejeitada em seu próprio país de origem. A vacina “E” ainda não teria cumprido os protocolos necessários para a sua liberação. Por fim, as vacinas terão “microchips” ´para colher a identidade biométrica da população. Tudo isso já foi desmentido, mas é aconselhável, por sua vez, analisar com atenção os desmentidos para certificar-se de sua fundamentação. A despeito de tudo, as pessoas, em sua imensa maioria, correm a vacinar-se, é a grande esperança.

O Vírus se divertia muito com o pânico que causava. Ele escolhia a quem contaminar, sem qualquer critério perceptível aos cientistas, às pessoas em geral. Jovens trancados em quarentena juntamente com idosos portadores de comorbidades contraiam a doença, que poupava os idosos; comunidades super povoadas, sem saneamento básico e sem qualquer possibilidade de isolamento social para os sues moradores, pareciam exibir números de contaminados e de mortes estranhamente baixos quando comparados aos de outras localidades em condições sociais bastante superiores; rebeldes às recomendações de uso de máscara e distanciamento social levavam suas vidas como se nada estivesse acontecendo, e muitos deles não contraiam o Vírus; países desenvolvidos sob os aspectos econômico, social, cultural e tecnológico estavam estranhamente entre os mais atingidos pela peste. Em suas fases mais agudas da peste, as unidades de atendimento hospitalares ficaram superlotadas, e muitos morreram por falta dos cuidados necessários.

Separara famílias, grupos de amigos, condenara os mais temerosos de contágio à encontros virtuais, as Lives, toscos arremedos dos encontros presenciais, com abraços, beijos, carinhos, olho no olho. Até mesmo grupos de moradores em um mesmo condomínio faziam reuniões virtuais com vizinhos literalmente de porta. Viagens se tornaram um sério risco de contágio, entes queridos separados por grandes distancias físicas estavam condenados a se contentarem com esses arremedos de encontros.

Um dia, no ano 202 -, finalmente, o Vírus, assim como em tantas outras vezes, se cansou. Zombara do cientificismo, se transmutara por insondáveis desígnios, tripudiando sobre a arrogância humana. Deixara muitos milhões de pessoas infectadas, uma parte delas mortas, outras sequeladas, muitas sabe-se lá porquê, rapidamente restabelecidas e inteiramente recuperadas. As estatísticas eram pouquíssimo confiáveis, propositalmente ou pela própria dificuldade em levantamentos de tal ordem, notadamente em regiões de grande concentração humana e dificuldade de acesso por variadas razões, e onde a coleta de dados era por demais precária. Mais difícil ainda seria ter-se, mesmo que muito impreciso, o número de pessoas mentalmente abaladas. A moral e os costumes da sociedade foram relaxados. A economia fora tremendamente atingida, a recuperação iria levar um tempo imprevisível.

O Vírus é eterno, veio do infinito, recolhera-se a um ponto qualquer do Universo, do qual é parte constitutiva, podia ser como uma única semente de mamona ou uma infinidade delas, como as estrelas no firmamento. Gostava de ser imprevisível para si próprio, e assim não traçava planos para um retorno que certamente viria. Em 10 anos, 25 anos, 200 anos? Ainda existiria a humanidade sobre o planeta Terra em tão longo prazo?

Nota: a autoridade médica a que o texto se refere no quinto parágrafo é a Chefe da Clínica de Doenças Infecciosas da Universidade de Maryland, EUA. https://www.impala.pt/noticias/atualidade/covid-19

José Antonio C. Silva

20/03/2021

5 comentários:

  1. Excelente texto, amigo. Aqui você nos oferece a oportunidade de caminhar em suas reflexões sobre a terrível situação em que este vírus nos faz experimentar ao mesmo tempo nos dá a oportunidade de perceber a verdadeira dimensão do que é esta pandemia.

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  2. O seu olhar retrospectivo mostra fielmente e de forma perspicaz o que nos aconteceu no último ano, o que nos tornamos - um laboratório de incertezas e de alterações dos nossos hábitos e convivências - e levanta a dúvida do que nos espera nos próximos dias, meses e possivelmente anos. Sempre incrível! Parabéns!

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  3. Meu Caro, sua crônica sobre o terrível vírus que nos assola, lembrou-me os suspenses infindáveis dos filmes de Hitchcock e Zé do Caixão, deixando-nos com a sensação que o término da pandemia ainda está longe de acabar, em virtude das incertezas que os "sábios infectologistas e doutores", transmitem em seus textos contraditórios e inconclusivos sobre a cura deste mal.
    Alguns já citam que teremos que conviver com um horizonte de 10(dez) anos até que algum remédio e não a vacina, sejam produzidos para ficarmos livres definitivamente desta peste que apareceu em 2020.
    O mais triste disto tudo, é não podermos estar presencialmente com os amigos como fazíamos antes da pandemia, instantes que nos proporcionavam momentos prazerosos e alegria de viver.
    Sabemos como é difícil manter a esperança de um futuro melhor nesta situação como a que estamos vivendo, mas não podemos perder a fé, fé que nos dará forças para continuarmos vivos e cuidando de nossas famílias.
    Parabéns pelo belo texto e te cuida por favor.

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  4. Excelente texto
    Passa-nos a sensação de estarmos em meio a um tiroteio sem saber onde está o atirador - sensação pela qual em algum momento quase todos sentimos com o início da pandemia...

    Exclente documento de registro do período que passamos!

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