EXCESSO DE CERTEZAS
O certo e o complexo (*)
Por Eurípedes Alcântara
29/05/2021 (*)
Parece cada vez mais difícil para mais gente admitir que não
sabe o bastante sobre alguma coisa a ponto de ter uma opinião. As conversas
sobre qualquer assunto estão ficando insuportáveis pelo excesso de certezas
absolutas, antes só permitidas aos muito jovens.
Certeza é um dos sintomas da imaturidade. Ser adulto é
aprender a conviver com incertezas. “Não sou jovem o suficiente para saber
tudo”, diz o sábio ditado ora atribuído ao poeta irlandês Oscar Wilde, ora ao
primeiro-ministro britânico da Era Vitoriana Benjamin Disraeli.
Por essa régua, vivemos numa sociedade de imaturos,
inseguros, buscando muletas para se apoiar. Esse ambiente favorece duas
situações indesejáveis. A primeira é a tentação de delegar decisões da vida
pessoal a uma ideologia, a um partido ou até a um governo. A segunda é o
recolhimento ao conforto do pensamento binário simplório, com o consequente
pavor da complexidade.
Delegar o destino a um ente imaginário coletivo provedor,
todo-poderoso, é uma das superstições mais acalentadas atualmente. Assustador é
essa ilusão ser cultivada por jovens, principalmente das grandes cidades do
Ocidente. Jovens americanos dos movimentos Antifa e Black Lives Matter, embora
tenham recentemente começado a trocar sopapos entre si, costumam definir-se
como socialistas ou mesmo comunistas.
“Esses moços, pobre moços (...)/ Saibam que deixam o céu/
Por ser escuro/ E vão ao inferno/ À procura de luz.”
Dizem os versos de Lupicínio Rodrigues. Acabei de ouvi-los
na linda voz de Adriana Calcanhotto. É um convite lírico a pensar nas lutas dos
jovens militantes. Uma lei histórica mostra que ninguém milita com o objetivo
de continuar oprimido quando sua causa triunfar: o militante se imagina sempre
dirigente na nova ordem. É uma lei incontrastável.
Quando o objetivo da luta é obter a igualdade plena entre
todos, caso a insurreição triunfe, o militante logo se arvora a ser “mais
igual” que os outros, na exata observação de George Orwell no livro “A
Revolução dos Bichos”. Cuidado com o que pedem, pois podem conseguir e
descobrirão muito tarde não ser o coletivismo igualitário o resultado, mas a
ditadura.
A segunda situação indesejável trazida pelo excesso de
certeza é o medo do pensamento complexo. O mundo real não é preto e branco. A
complexidade é um fato da vida. O pensamento complexo é aberto à crítica,
condição obrigatória a toda formulação merecedora de atenção. É atento à sua
própria obsolescência, sensível ao novo, ao desconhecido, ao estranho.
Admitir a complexidade de certos assuntos e reconhecer não
ter opinião válida sobre eles é uma opção adulta, madura, em qualquer idade.
Viva a complexidade! O pensamento complexo é sempre receptivo à incerteza, à
contradição, à ambivalência. Como nos ensina o sábio francês Edgar Morin, são
essas as qualidades de quem se propõe a escapar da arrogância e do dogmatismo.
Essas reflexões, acredito, valem para oprimidos e
opressores. O espírito do nosso tempo comanda que “tudo é política”. Essa é a
premissa do livro mais recente de Paul Krugman, ganhador do Prêmio Nobel de
Economia em 2008 e hoje o economista com maior influência sobre o governo do
presidente americano, Joe Biden. O título do livro de Krugman em português é
“Discutindo com zumbis: economia, política e a luta por um futuro melhor”.
Conheci Krugman quando ele ainda dava aulas no Massachusetts Institute of
Technology (MIT) e era um zeloso fiscalista. Agora ele incentiva Biden a
imprimir dólares para impedir a recessão contratada pela pandemia de Covid-19.
As certezas numéricas da juventude deram lugar à aventureira complexidade da
política. Ele está certo? Não sei. Não conheço bastante a política monetária
americana para dar uma opinião.
Por Eurípedes Alcântara
(*) Publicado em
O GLOBO - 29/05/2021
Uma preciosa reflexão.A dúvida e a incerteza são terrenos onde se experimenta a abertura para sentir o novo e mergulhar na complexa realidade humana. Aprendizado necessário para todos nós. A certeza absoluta e intransigente é um fechamento, uma restrição perigosa.
ResponderExcluirMaravilha de artigo!! Sugiro leitura!!
ResponderExcluirMuito bom o artigo e bastante abrangente - insegurança, necessidade de pertencimento,falta de interesse legítimo, superficialidade, imediatismo, fragilidade da capacidade criativa e até cognitiva... E as pessoas têm um discurso ultra eloquente, mesmo!
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