terça-feira, 21 de setembro de 2021

RECORDAÇÕES

Aqui, sozinho, em meu apartamento, um tempo muito feio, chuvoso e cinzento, volto-me para dentro de mim mesmo, para o meu passado. O que o futuro me reserva de novas experiências? Ao completar 76 anos, durante a longa Peste do COVID-19, escrevi crônica sobre isso (“Eis que a idade chegou”), senti o peso do passar dos anos. No físico, pela interrupção do meu programa de exercícios, e psiquicamente, pelo ambiente em que todos estamos mergulhados. Ao ler a tal crônica, uma querida amiga disse que eu estava pronto para escrever a minha biografia. Aqui, dou algumas ligeiras pinceladas. Sou aquilo que alguns vêm como “nostálgico”. Se é pelo fato de continuar curtindo os grandes mestres da música norte-americana como Frank Sinatra, Nat King Cole, Louis Armstrong, Tony Bennett (inacreditavelmente ainda vivo no momento em que escrevo, aos 95 anos, cantando para grandes audiências) ou executada por grandes instrumentistas, aceito o rótulo. Se é ainda pelo fato de eu curtir o cinema clássico de Hollywood em filmes produzidos por mestres como Chaplin, Hitchcock, Billy Wilder, dentre muitos outros, aceito o rótulo. Se é por curtir Tom Jobim (permanece vivo em dezenas de países, influenciando sua música (no Brasil - seu país! - já quase esquecido), então aceito o rótulo. Quanto a curtir muitos temas da música clássica produzidos por Beethoven, Tchaikovsky, Puccini, Chopin etc., assim como gigantes da literatura universal como Tolstoi, Dostoievsky, Kafka, Allan Poe, Garcia Márquez e tantos mais creio que não serei rotulado “nostálgico”, não ousariam. [PARÁGRAFO] O fato é que, desde muito criança eu, muito tímido e criado entre tios mais velhos, na grande chácara onde morava minha avó paterna e seus 12 filhos, o mais próximo de mim era 4 anos mais velho, chegava a causar uma certa preocupação em meu pai sobre o que eu viria a ser, e ele certa feita me disse: “Você só se sente à vontade na casa da sua avó”. Essa preocupação não durou muito tempo, por volta dos 9 anos de idade ele já me compreendia, nos tornamos amigos, e assim fomos enquanto ele viveu, sempre muito ligados. Eu voltava-me para a leitura. Aprendi a ler aos 6 anos de idade e não parei mais. A minha primeira grande gratificação literária veio em torno dos 8 anos de idade, com a coleção completa da obra de Monteiro Lobato para crianças. Até hoje guardo na memória episódios dos livros e informações relevantes sobre grandes culturas do passado (“História do Mundo para Crianças” e “os 12 Trabalhos de Hércules”), e que vieram expressivamente à tona em minhas viagens a países como o Egito, a Grécia, a Itália. Minha irmã, 4 anos mais velha do que eu, dizia que eu já tinha “nascido velho”. Muto mais tarde alguém aplicou a mim a qualificação de “Espírito Velho” O que seria isso? Pode ser interpretado à luz de diversas religiões e filosofias. No Budismo, sobre o qual eu viria a me interessar na vida adulta, através de leitura e algumas práticas, seria assim:[PARÁGRAFO] “A Vida após a morte no Budismo Os praticantes do budismo acreditam na reencarnação semelhante aos espíritas, a única diferença é que essa reencarnação de vida após a morte pode surgir de forma um pouco diferente. Para os budistas, a pessoa que teve uma má conduta em vida pode ter sua alma reencarnada em uma barata ou até mesmo em uma pulga. Já aqueles que tiveram boas obras podem reencarnar no corpo de um príncipe ou uma águia. Para eles, o ciclo de reencarnação permanece até o espirito se libertar do carma, quando isso finalmente acontece, a pessoa reencarna de forma definitiva, podendo surgir em 6 mundos diferentes: • Celestial; Humano; Animal; Guerreiro; Insaciável; Infernal.” (1) [PARÁGRAFO] Assim sendo, eu, um “Espírito Velho”, estaria cumprindo etapas do ciclo de reencarnação, agora na condição de Humano. Circunstâncias absolutamente casuais, como veremos a seguir, me trouxeram essas recordações dos ensinamentos budistas.[PARÁGRAFO] Por uma grande coincidência (terá sido coincidência?) uma querida amiga hoje me enviou mensagem elogiando um cantor inglês, Robbie Williams, que ela acabara de ver cantando “My Way’, e eu logo enviei a ela o link da grandiosa apresentação que ele fez no Royal Albert Hall, em Londres, em 2001, na qual homenageava Frank Sinatra (já então falecido, em 1998), principalmente, e sua clã, como era conhecido o grupo de seus amigos mais chegados. Robbie Williams, além de “My Way”, emocionado cantava “It Was a Very Good Year”, quando de uma tela surgia o próprio Sinatra cantando esta canção que ele fizera famosa. Foi um frisson na plateia, lotada. E do que falava a letra? Vou aqui reproduzi-la, no original em inglês e com tradução em português (2), assim como um link (3) em que o Frank canta a canção. É enternecedora, e fala de uma vida bem vivida, sem expectativas futuras, agora feita apenas de recordações. [PARÁGRAFO] “It Was A Very Good Year When I was seventeen / It was a very good year It was a very good year for small town girls/ And soft summer nights We'd hide from the lights/ On the village green/ When I was seventeen When I was twenty-one/ It was a very good year/ It was a very good year for city girls Who lived up the stair/ With all that perfumed hair And it came undone/ When I was twenty-one When I was thirty-five/ It was a very good year It was a very good year for blue-blooded girls/ Of independent means We'd ride in limousines/ Their chauffeurs would drive When I was thirty-five But now the days grow short/ I'm in the autumn of the year And now I think of my life as vintage wine/ From fine old kegs From the brim to the dregs/ And it poured sweet and clear It was a very good year/ It was a mess of good Years” [PARÁGRAFO] “Foi Um Ano Muito Bom Quando eu tinha dezessete anos/ Foi um ano muito bom Foi um ano muito bom para as meninas de cidades pequenas/ E suaves noites de verão Nos escondíamos das luzes/ No campo da cidade/ Quando eu tinha dezessete anos Quando eu tinha 21 anos/ Foi um ano muito bom Foi um ano muito bom para as meninas da cidade/ Que viviam no andar de cima Com cabelos perfumados/ E isso foi desfeito Quando eu tinha 21 anos Quando eu tinha 35 anos/ Foi um ano muito bom Foi um ano muito bom para as meninas de sangue azul/ De meios independentes Passeávamos em limousines/ Seus motoristas dirigiam Quando eu tinha 35 anos Mas agora os dias passam rápido/ Estou no outono do ano Agora penso em minha vida como um vinho vintage/ De bons e velhos barris Cheios até as bordas/ E ela se derramou nítida e docemente Foi um ano muito bom/ Foi uma confusão de bons anos” [PARÁGRAFO] Atentem: para o autor da letra (Ervin Drake), três idades na vida do personagem da canção mereceram específica citação – 17, 21 e 35 anos. Retornemos ao Budismo. Novamente por coincidência (para Jung, psiquiatra e psicoterapeuta, não existe coincidência, pura e simplesmente, mas “Coincidência Significativa”, ou Sincronicidade), eu havia revirado o meu baú de cartas e fotos bem antigas, basicamente de meados dos anos da década de 1960, e nelas encontrara escritos de companheiros muito próximos, a maioria afastados por circunstancias da vida ou pelo falecimento. Lá estavam também cartas de namoradas, meninas de família de inocentes namoros de mão dadas, beijinhos e conversas triviais. Mas, uma daquelas cartas destoava por completo das outras. É datada de novembro 1966. Eu tinha justos 21 anos, It was a very good year, ano em que me graduaria pela prestigiosa Escola Nacional de Química, e igualmente It was a very good year quando eu tinha 17 anos e nela ingressara. Por razões diferentes, as idades de 17 e 21 anos foram, assim como na letra da canção, muito marcantes para mim.[PARÁGRAFO] A moça, com quem eu mantivera um namoro durante poucos anos, e com encontros esparsos, morava longe, ao norte do Estado do Rio de Janeiro. Por duas vezes eu a visitei, a primeira com um grupo de amigos, a segunda, sozinho, outras vezes ela ia a Niterói, onde morava uma prima, e nos encontrávamos. Um namoro, para mim, sem um significado maior. Acabei explicando a ela, por carta, que não havia mais razão para continuar aquela relação. Então, não me recordo quanto tempo depois, recebi a tal carta. Seu conteúdo era absolutamente surpreendente, e por uma razão que não consigo agora atinar, não me causou impacto ao recebe-la. Estava impregnada de conceitos do Budismo, sobre os quais, na época, eu não tinha qualquer conhecimento, daí, provavelmente, não ter captado seu profundo significado. Alguns trechos: (...) sei que nossas relações vêm de vidas anteriores. Não se pode sentir um amor tão grande, uma amizade tão imorredoura em um momento apenas, o que é uma vida diante da eternidade? (...) É preciso que nossa união se faça para nosso mútuo aperfeiçoamento, para que se cumpram os desígnios do Espírito Superior e para que sejamos felizes aqui e além. Nossa eternidade depende do nosso momento terrestre juntos. Você tem nesta existência muitas missões a cumprir, muitas obras a realizar (...). Você não me ama agora, porém espero, chegará a hora em que não poderá mais seguir sozinho. E, então...[PARÁGRAFO] Foi a última notícia que tive dela, não faço a menor ideia do que as intervenções do Destino, e de como ela exerceu o seu Livre Arbítrio frente a elas. Ficaria muito feliz em saber que ela acabou por encontrar outra motivação para viver que não a união com este que a respeitava, mas não a amava.[PARÁGRAFO] Ao final de 1968, por um encontro absolutamente casual, conheci aquela que viria a ser minha namorada, esposa e mãe da minha filha e do meu filho. No baú de recordações encontro uma série de cartas de amor recebidas dela a partir de 1969, durante o período em que estávamos geograficamente distantes. Nos casamos, ela veio morar no Rio. Em mais uma alusão, a última, à letra da música, “quando eu tinha 35 anos”, It was a very good year, pois foi naquela idade em que eu me tornei pai pela primeira vez, com o nascimento da filha querida. E logo em seguida, aos 36 anos, idade já não evocada pelo autor da canção, também digo It was a very good year, pois nasceu o nosso não menos querido filho. E também muitos outros anos de nossas vidas viriam a merecer essa classificação.[PARÁGRAFO]-------------------------------------- (1) https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/almanaque/como-diferentes-religioes-enxergam-a-vida-apos-morte.phtml Acesso em 14/09/2021------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------ (2) https://www.letras.mus.br/frank-sinatra/36444/traducao.html Acesso em 14/09/2021--------------------------------------------------------------------------------------------- (3) https://www.youtube.com/watch?v=rPQ0NLkfC0U Acesso em 14/09/2021---------------------------------------------------------------------------------------------------------------- José Antonio C. Silva 14/09/2021

6 comentários:

  1. Linda crônica, amigo! Linda caminhada! Obrigada.

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  2. Rica crônica amigo, adorei tantas histórias, vc é demais, gde bj

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  3. Eu não conheço os princípios do budismo, mas entendo como uma busca às emoções. Acho que o seu texto retrata fortemente suas emoções e vivências da vida, com maturidade e verdade. Uma declaração sobre sua essência. Parabéns!

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  4. Que carta profunda de uma menina tao jovem. Texto emocionante. Lov u

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  5. Amigo José Antônio. Gosto muito de ler suas crônicas ! Parabéns pelo texto.

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  6. Amigo. Frank Sinatra meu ídolo eterno. Nossa geração e muito preciosa, pela importância que temos em relação ao passado. Essa música também me impressionou. Pela sua letra tão impactante. E em função dela a nossa busca. Essas idades prá nós foram muito importantes, na nossa idade atual a nossa percepção fica mais aguçadas. Temos um passado maravilhoso. Espiritualmente, mentalmente. E nossos princípios e valores herdados dos nossos , nós fazem conectar com aqueles momentos que marcaram a nossa juventude e o que dela guardamos. Impecável a sua narração. Tudo a ver com a nossa vida.

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