sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

NATAL


NATAL

Mudaria o Natal ou mudei eu?
(Soneto de Natal- Machado de Assis)


        Quando bem criança eu morava com meus pais e minha irmã mais velha, Suely, em um modesto apartamento em Niterói; o primeiro dos meus dois irmãos, Luiz Carlos, só veio ao mundo quando eu já completara 7 anos, e o segundo, Paulo Sergio, três anos mais tarde. O Natal era revestido de uma solenidade religiosa. 25 de dezembro é a data considerada como a do nascimento de Jesus Cristo, mas as comemorações começavam bastante antes, o propalado espírito natalino progressivamente se espalhando por toda parte. Presépios e árvores de Natal eram montados, guirlandas eram afixadas nas portas de entrada das casas, as rádios tocavam os clássicos “Ave Maria”, “Jesus, Alegria dos Homens”, “Adeste Fidelis”, “Hallelujah”, além dos clássicos populares “Jingle Bells”, “Silent Night”, “White Christmas” e outras canções, os cinemas exibiam filmes alusivos ao evento. As crianças acreditavam piamente em Papai Noel e lhe escreviam cartinhas com seus pedidos de presentes. Os adultos fomentavam essa crença. Na noite do dia 24 de dezembro, após a ceia típica da ocasião, os pais pediam aos seus filhos que, antes de dormir, colocassem seus sapatinhos ao lado da árvore de Natal, cuidadosamente montada e enfeitada para celebrar a “data máximo da cristandade”, como se dizia na época. Papai Noel. Em algum momento durante a noite ele desceria em seu trenó puxado por renas e deixaria os presentes nos sapatinhos. Os presentes naquela época, mesmo entre as famílias mais abastadas, eram muitíssimo modestos quando comparados àqueles distribuídos nos dias de hoje. A indústria nacional fabricava incipientes artefatos de madeira, de matéria plástica, de cerâmica, de metal, de pano e de outros materiais sem qualquer sofisticação ― carrinhos, aviões, jogos, bonecas etc.  Comprar brinquedos importados, dentre as poucas opções disponíveis, além de ser um luxo a que poucos se poderiam dar, não era prática comum.

       Era com enorme ansiedade que eu esperava acordar e ir ao encontro dos presentes deixados pelo “Bom Velhinho”, aquela doce figura de barbas brancas e sorriso acolhedor. O encanto terminou quando, numa noite de Natal, aquilo que já era uma forte suspeita para mim se confirmou: Papai Noel não existia, era pura lenda. Foi então que compreendi que Natal só tem graça enquanto somos criança ou quando temos crianças ao nosso lado. Quando meus irmãos se tornaram crianças aptas a acreditar na lenda, voltei, de certa forma, a experimentar a emoção natalina.

      Casei-me com a Edna, e o meu Natal passou a ser sempre celebrado na grande casa colonial dos meus sogros, Seu Dino e Dona Belinha, em Ouro Preto. A casa tinha ao fundo uma enorme chácara com toda a sorte de árvores frutíferas e criação de animais. As comemorações eram sempre grandiosas, a extensa família mineira comparecendo em peso, além de um grande número de convidados. A decoração da casa era composta de ricas peça de arte barroca.  A ceia, de uma fartura espantosa, era servida à meia noite, na passagem do dia 24 para o dia 25. Seguia-se a solenidade de entrega dos presentes postados ao lado da árvore de Natal, e que algumas vezes varava a noite, em um clima de excitação contagiante, da parte dos adultos e, sobretudo, das crianças ― sobrinhos e sobrinhas da Edna. Éramos todos felizes. E vieram ao mundo os nossos amados filhos, Juliana e Cristiano, e que em poucos anos já faziam coro com seus primos naquela festa. Ao vê-los, naquela excitação da entrega dos presentes, eu, em parte, revivia neles a criança deixada para trás naquela noite de Natal de tantos anos passados.

        Foi um Natal mágico, aquele de 1990. Chegamos, eu, Edna e nossos filhos Juliana e Cristiano, a Nova Iorque - Manhattan a poucos dias antes do 25 de dezembro. Inverno, iríamos finalmente vivenciar um Natal Branco, o tão decantado White Christmas Natal Branco da canção que embala os natais do mundo cristão desde que foi composta em 1942 por Irving Berlin. Mas ao chegarmos lá ainda não caia neve, a temperatura era agradável até mesmo para um friorento como eu. Aproveitamos para fazer um passeio pelas cercanias do Central Park e pelo Pier 42, uma área portuária restaurada e ponto de atração turística. Lá experimentamos a primeira emoção, diante da Chorus Tree, uma construção de madeira em formato de árvore, em cujos galhos se alinhavam pessoas vestidas de Papai Noel formando um coral a cantar os sucessos natalinos de sempre, terminando com a canção que virou uma espécie de hino da cidade: “New York, New York”. Foi lindo.

      Passeávamos e aproveitávamos tudo o que a Big Apple nos oferecia. Nova Iorque é uma cidade muitíssimo especial, sob tantos aspectos, e sabe se preparar como nenhuma outra para o período natalino. Lojas, prédios e árvores enfeitados, o Central Park iluminado, uma infinidade de luzinhas piscando em toda parte, uma energia contagiante no ar.  Naquele cenário, com um pouco de imaginação pode-se até acreditar que Papai Noel de fato existe. Assistimos shows, curtimos restaurantes, visitamos os icônicos prédios do Madison Square Garden, o Empire State Building, o Lincoln Center, o Rockefeller Center, onde nossos filhos patinaram no gelo, e outros mais. Visitamos o Zoo no Bronx, na companhia do meu sobrinho Erick que, na época, morava em NY. Fizemos o tour de barco em torno da ilha de Manhattan, estávamos felizes ao extremo. E foi numa noite no Village, numa loja de CD´s, que vislumbrei pequenos flocos brancos caindo sobre a calçada, e nossos filhos tiveram sua primeira visão da neve, componente indispensável para compor o cenário natalino.  

      Finalmente chegou a noite do dia 24, a Noite Santa. Fomos à Missa do Galo, celebrada na Catedral de Saint Patrick, acompanhados de um casal de franceses residentes em NY, e com quem fizéramos amizade quando residiram no Brasil. A Missa é um espetáculo à parte. Muito concorrida, os ingressos precisam ser reservados com bastante antecedência, e a lotação se esgota. Personalidades se fazem presentes. O ritual é de gala, belíssimo. Em um momento particularmente tocante, foi distribuído a cada um dos presentes uma folha de papel com a letra de “Silent Night”. Foi de arrepiar participarmos daquele imenso coral cantando aqueles versos eternos: “Silent night/ Holy night/ Al is calm/ Al lis bright...”. E, ao final, ao término da celebração, saímos ao som do “Hallelujah”, de Handel, executado por grandioso órgão e coral. Foi de arrepiar.

      No dia 25, feriado, as pessoas ficam em suas casas, as ruas vazias, lojas fechadas. Seria muito triste para nós se não tivéssemos a fortuna de passarmos o dia no apartamento daquele casal de franceses. O marido, diretor de um banco francês, fora transferido do Rio de Janeiro para NY, e nessa condição o casal morava então num apartamento com vista de 360º para Manhattan. Foi maravilhoso. A esposa, como boa francesa, se esmerou em preparar um almoço dos deuses, degustado ao longo de várias horas, pequenas porções acompanhadas dos vinhos apropriados a cada tipo de comida, e intercaladas com provas de sorbet, sorvete de frutas com pouquíssimo açúcar e à base de água, tão ao gosto dos franceses, para ajustar o paladar para a próxima secção. Até hoje nos lembramos daquele “almoço longo”, como o definiu nosso filho. Um Natal encantado, uma viagem particularmente inesquecível dentre tantas outras na companhia de nossos filhos, que nos são gratos por lhes termos ensinado o prazer de viajar.

      Outro Natal marcante na minha vida foi aquele passado em 2014 na Toscana, em uma Villa, como os italianos chamam uma casa de campo, de veraneio, próxima à Firenze. Para lá fomos eu, Edna, filhos, a nora Priscilla, o genro Carlos e sua família, e ainda uma grande amiga chilena, a Karin. Preparamos nós mesmos a ceia de Natal, deliciosa, o que não é difícil de se imaginar tendo-se a mão os maravilhosos ingredientes da culinária italiana. Após a ceia, trocamos presentes; as duas crianças do grupo, sobrinhas do Carlos, já não acreditavam em Papai Noel, mas ajudaram a criar o clima natalino. A estada na Toscana, com o nosso grupo deslocando-se em três carros alugados através da região, descortinando vistas “de chorar” de tanta beleza, foi também algo para não se esquecer.  Isso sem falar nas visitas à charmosa Firenze, certamente uma das cidades mais encantadoras do mundo.

      Bem, mudou o Natal, hoje um evento muito mais associado ao comercio do que à religião, assim como também eu mudei. As comemorações natalinas mais recentes têm sido na casa da sogra da minha filha, Regina, em um ambiente de congraçamento familiar, com um momento de agradecimento a Deus, e onde não faltam crianças. Mas... há uma grande novidade no ar. Em outubro de 2015 nasceu o meu netinho Rafael, filho da Juliana e Carlos, e que recebe muito carinho das duas  famílias. Ainda é muito novo para perceber o sentido do Natal, no último ficou apenas na curtição dos presentes recebidos. Do jeito que ele é fico imaginando que não demorará muito a acreditar que aqueles presentes lhes são trazidos pelo “Bom Velhinho”, e eu novamente reviverei nele um pouco daquela criança que já fui.

Dezembro/2017


8 comentários:

  1. Belíssima crônica. Suas palavras conseguiram me transportar para todos os cenários. Lindo resgate, através das memórias, da beleza e sentido do Natal!

    ResponderExcluir
  2. Cronica emocionante. Ótima recordação dos natais passados e inspiração para os futuros com nossos filhis e demais entes queridos, e agora com nosso querido neto Rafael. Bjs

    ResponderExcluir
  3. Ia escrever coisa demais, seu relato me fulminou de “saudade”, se puder ouça esta música “Navidad del Paraguay”:
    https://www.youtube.com/watch?v=nz1h1LY7uH0
    Como sei que gosta da letra para entender, segue link o com ela e sua estória.
    http://www.portalguarani.com/1465_mercedes_jane/14739_navidad_del_paraguay__letra_mercedes_jane__musica_esteban_morabito.html
    É uma musica significativa para mim e minha família nessa época especial. Feliz Natal a todos!

    ResponderExcluir
  4. Como a vida se renova, como é bela!
    Seu netinho trará novamente Papai Noel para estar entre vocês!
    Eu também, querido amigo, aguardo com emoção Papai Noel para os próximos anos. Serei vovó de um menininho ano que vem! O espírito natalino se fará presente com mais intensidade e emoção aqui em nossa família. Uma benção!
    Obrigada por compartilhar suas memórias e nos conduzir nesta viagem.
    Lindo Natal para vocês!

    ResponderExcluir
  5. Lendo sua cronica me veio a lembrança detalhes de uma viagem que fiz a Nova York tambem na época de Natal !! Passeando pelo Brooklin e Queens vendo as casas decoradas com enfeites natalinos Lindo Lindo LIndo. Vou te dar uma sugestao: escreve sobre a Africa do Sul! Escreve sobre a sensação de ver um elefante ou estar perto de um leão! Serei eternamente grata a voce e Edna por terem me sugerido fazer esta viagem.Fui em setembro passado a South Africa e jamais esqueceremos minha filha Vivian e eu, as belezas que vimos por la.
    Feliz Natal a todos da familia. KIKA SEIXAS

    ResponderExcluir
  6. Vocês fizeram o natal ser a minha data preferida e esperada do ano! Esse ano, como todos os outros, será muito especial. Amo vocês.

    ResponderExcluir
  7. Sempre é maravilhoso reler as suas crônicas, e em especial esta do Natal. Sugiro atualizar para inserir o segundo neto Felipe. Bjs

    ResponderExcluir
  8. O comentário a seguir foi feito pela minha querida amiga Stella Maris, aqui postado com sua devida autorização:
    - A crônica "Natal" me conduziu ao mundo encantado do Natal. Os momentos são comoventes e acolhedores. Dou muita importância ao evento religioso do Natal, mas a sua crônica fez reviver a minha infância e emergir a magia do Natal. Maravilhoso texto!

    ResponderExcluir