NATAL
Mudaria o Natal ou
mudei eu?
(Soneto de Natal-
Machado de Assis)
Quando bem criança eu morava com meus
pais e minha irmã mais velha, Suely, em um modesto apartamento em Niterói; o
primeiro dos meus dois irmãos, Luiz Carlos, só veio ao mundo quando eu já
completara 7 anos, e o segundo, Paulo Sergio, três anos mais tarde. O Natal era
revestido de uma solenidade religiosa. 25 de dezembro é a data considerada como
a do nascimento de Jesus Cristo, mas as comemorações começavam bastante antes,
o propalado espírito natalino progressivamente se espalhando por toda parte. Presépios
e árvores de Natal eram montados, guirlandas eram afixadas nas portas de
entrada das casas, as rádios tocavam os clássicos “Ave Maria”, “Jesus, Alegria
dos Homens”, “Adeste Fidelis”, “Hallelujah”, além dos clássicos populares “Jingle
Bells”, “Silent Night”, “White Christmas” e outras canções, os cinemas exibiam
filmes alusivos ao evento. As crianças acreditavam piamente em Papai Noel e lhe
escreviam cartinhas com seus pedidos de presentes. Os adultos fomentavam essa
crença. Na noite do dia 24 de dezembro, após a ceia típica da ocasião, os pais pediam
aos seus filhos que, antes de dormir, colocassem seus sapatinhos ao lado da
árvore de Natal, cuidadosamente montada e enfeitada para celebrar a “data
máximo da cristandade”, como se dizia na época. Papai Noel. Em algum momento
durante a noite ele desceria em seu trenó puxado por renas e deixaria os
presentes nos sapatinhos. Os presentes naquela época, mesmo entre as famílias
mais abastadas, eram muitíssimo modestos quando comparados àqueles distribuídos
nos dias de hoje. A indústria nacional fabricava incipientes artefatos de
madeira, de matéria plástica, de cerâmica, de metal, de pano e de outros
materiais sem qualquer sofisticação ― carrinhos, aviões, jogos, bonecas etc. Comprar brinquedos importados, dentre as
poucas opções disponíveis, além de ser um luxo a que poucos se poderiam dar, não
era prática comum.
Era
com enorme ansiedade que eu esperava acordar e ir ao encontro dos presentes
deixados pelo “Bom Velhinho”, aquela doce figura de barbas brancas e sorriso
acolhedor. O encanto terminou quando, numa noite de Natal, aquilo que já era
uma forte suspeita para mim se confirmou: Papai Noel não existia, era pura
lenda. Foi então que compreendi que Natal só tem graça enquanto somos criança
ou quando temos crianças ao nosso lado. Quando meus irmãos se tornaram crianças
aptas a acreditar na lenda, voltei, de certa forma, a experimentar a emoção
natalina.
Casei-me com a Edna, e o meu Natal passou
a ser sempre celebrado na grande casa colonial dos meus sogros, Seu Dino e
Dona Belinha, em Ouro Preto. A casa tinha ao fundo uma enorme chácara com toda
a sorte de árvores frutíferas e criação de animais. As comemorações eram sempre
grandiosas, a extensa família mineira comparecendo em peso, além de um grande
número de convidados. A decoração da casa era composta de ricas peça de arte
barroca. A ceia, de uma fartura espantosa,
era servida à meia noite, na passagem do dia 24 para o dia 25. Seguia-se a
solenidade de entrega dos presentes postados ao lado da árvore de Natal, e que algumas
vezes varava a noite, em um clima de excitação contagiante, da parte dos
adultos e, sobretudo, das crianças ― sobrinhos e sobrinhas da Edna. Éramos
todos felizes. E vieram ao mundo os nossos amados filhos, Juliana e Cristiano, e
que em poucos anos já faziam coro com seus primos naquela festa. Ao vê-los,
naquela excitação da entrega dos presentes, eu, em parte, revivia neles a
criança deixada para trás naquela noite de Natal de tantos anos passados.
Foi um Natal mágico, aquele de 1990.
Chegamos, eu, Edna e nossos filhos Juliana e Cristiano, a Nova Iorque -
Manhattan a poucos dias antes do 25 de dezembro. Inverno, iríamos finalmente
vivenciar um Natal Branco, o tão decantado White
Christmas ― Natal Branco da canção
que embala os natais do mundo cristão desde que foi composta em 1942 por Irving
Berlin. Mas ao chegarmos lá ainda não caia neve, a temperatura era agradável
até mesmo para um friorento como eu. Aproveitamos para fazer um passeio pelas
cercanias do Central Park e pelo Pier 42, uma área portuária restaurada e ponto
de atração turística. Lá experimentamos a primeira emoção, diante da Chorus
Tree, uma construção de madeira em formato de árvore, em cujos galhos se
alinhavam pessoas vestidas de Papai Noel formando um coral a cantar os sucessos
natalinos de sempre, terminando com a canção que virou uma espécie de hino da
cidade: “New York, New York”. Foi lindo.
Passeávamos e aproveitávamos tudo o que a
Big Apple nos oferecia. Nova Iorque é
uma cidade muitíssimo especial, sob tantos aspectos, e sabe se preparar como
nenhuma outra para o período natalino. Lojas, prédios e árvores enfeitados, o
Central Park iluminado, uma infinidade de luzinhas piscando em toda parte, uma
energia contagiante no ar. Naquele cenário,
com um pouco de imaginação pode-se até acreditar que Papai Noel de fato existe.
Assistimos shows, curtimos restaurantes, visitamos os icônicos prédios do
Madison Square Garden, o Empire State Building, o Lincoln Center, o Rockefeller
Center, onde nossos filhos patinaram no gelo, e outros mais. Visitamos o Zoo no
Bronx, na companhia do meu sobrinho Erick que, na época, morava em NY. Fizemos
o tour de barco em torno da ilha de Manhattan, estávamos felizes ao extremo. E
foi numa noite no Village, numa loja de CD´s, que vislumbrei pequenos flocos
brancos caindo sobre a calçada, e nossos filhos tiveram sua primeira visão da
neve, componente indispensável para compor o cenário natalino.
Finalmente chegou a noite do dia 24, a Noite
Santa. Fomos à Missa do Galo, celebrada na Catedral de Saint Patrick,
acompanhados de um casal de franceses residentes em NY, e com quem fizéramos
amizade quando residiram no Brasil. A Missa é um espetáculo à parte. Muito
concorrida, os ingressos precisam ser reservados com bastante antecedência, e a
lotação se esgota. Personalidades se fazem presentes. O ritual é de gala,
belíssimo. Em um momento particularmente tocante, foi distribuído a cada um dos
presentes uma folha de papel com a letra de “Silent Night”. Foi de arrepiar
participarmos daquele imenso coral cantando aqueles versos eternos: “Silent
night/ Holy night/ Al is calm/ Al lis bright...”. E, ao final, ao término da
celebração, saímos ao som do “Hallelujah”, de Handel, executado por grandioso
órgão e coral. Foi de arrepiar.
No dia 25, feriado, as pessoas ficam em
suas casas, as ruas vazias, lojas fechadas. Seria muito triste para nós se não
tivéssemos a fortuna de passarmos o dia no apartamento daquele casal de
franceses. O marido, diretor de um banco francês, fora transferido do Rio de
Janeiro para NY, e nessa condição o casal morava então num apartamento com
vista de 360º para Manhattan. Foi maravilhoso. A esposa, como boa francesa, se
esmerou em preparar um almoço dos deuses, degustado ao longo de várias horas,
pequenas porções acompanhadas dos vinhos apropriados a cada tipo de comida, e
intercaladas com provas de sorbet,
sorvete de frutas com pouquíssimo açúcar e à base de água, tão ao gosto dos
franceses, para ajustar o paladar para a próxima secção. Até hoje nos lembramos
daquele “almoço longo”, como o definiu nosso filho. Um Natal encantado, uma
viagem particularmente inesquecível dentre tantas outras na companhia de nossos
filhos, que nos são gratos por lhes termos ensinado o prazer de viajar.
Outro Natal marcante na minha vida foi
aquele passado em 2014 na Toscana, em uma Villa, como os italianos chamam uma
casa de campo, de veraneio, próxima à Firenze. Para lá fomos eu, Edna, filhos, a
nora Priscilla, o genro Carlos e sua família, e ainda uma grande amiga chilena,
a Karin. Preparamos nós mesmos a ceia de Natal, deliciosa, o que não é difícil
de se imaginar tendo-se a mão os maravilhosos ingredientes da culinária
italiana. Após a ceia, trocamos presentes; as duas crianças do grupo, sobrinhas
do Carlos, já não acreditavam em Papai Noel, mas ajudaram a criar o clima
natalino. A estada na Toscana, com o nosso grupo deslocando-se em três carros
alugados através da região, descortinando vistas “de chorar” de tanta beleza, foi
também algo para não se esquecer. Isso
sem falar nas visitas à charmosa Firenze, certamente uma das cidades mais
encantadoras do mundo.
Bem, mudou o Natal, hoje um evento muito
mais associado ao comercio do que à religião, assim como também eu mudei. As
comemorações natalinas mais recentes têm sido na casa da sogra da minha filha, Regina,
em um ambiente de congraçamento familiar, com um momento de agradecimento a
Deus, e onde não faltam crianças. Mas... há uma grande novidade no ar. Em
outubro de 2015 nasceu o meu netinho Rafael, filho da Juliana e Carlos, e que
recebe muito carinho das duas famílias.
Ainda é muito novo para perceber o sentido do Natal, no último ficou apenas na
curtição dos presentes recebidos. Do jeito que ele é fico imaginando que não
demorará muito a acreditar que aqueles presentes lhes são trazidos pelo “Bom
Velhinho”, e eu novamente reviverei nele um pouco daquela criança que já fui.
Dezembro/2017
Belíssima crônica. Suas palavras conseguiram me transportar para todos os cenários. Lindo resgate, através das memórias, da beleza e sentido do Natal!
ResponderExcluirCronica emocionante. Ótima recordação dos natais passados e inspiração para os futuros com nossos filhis e demais entes queridos, e agora com nosso querido neto Rafael. Bjs
ResponderExcluirIa escrever coisa demais, seu relato me fulminou de “saudade”, se puder ouça esta música “Navidad del Paraguay”:
ResponderExcluirhttps://www.youtube.com/watch?v=nz1h1LY7uH0
Como sei que gosta da letra para entender, segue link o com ela e sua estória.
http://www.portalguarani.com/1465_mercedes_jane/14739_navidad_del_paraguay__letra_mercedes_jane__musica_esteban_morabito.html
É uma musica significativa para mim e minha família nessa época especial. Feliz Natal a todos!
Como a vida se renova, como é bela!
ResponderExcluirSeu netinho trará novamente Papai Noel para estar entre vocês!
Eu também, querido amigo, aguardo com emoção Papai Noel para os próximos anos. Serei vovó de um menininho ano que vem! O espírito natalino se fará presente com mais intensidade e emoção aqui em nossa família. Uma benção!
Obrigada por compartilhar suas memórias e nos conduzir nesta viagem.
Lindo Natal para vocês!
Lendo sua cronica me veio a lembrança detalhes de uma viagem que fiz a Nova York tambem na época de Natal !! Passeando pelo Brooklin e Queens vendo as casas decoradas com enfeites natalinos Lindo Lindo LIndo. Vou te dar uma sugestao: escreve sobre a Africa do Sul! Escreve sobre a sensação de ver um elefante ou estar perto de um leão! Serei eternamente grata a voce e Edna por terem me sugerido fazer esta viagem.Fui em setembro passado a South Africa e jamais esqueceremos minha filha Vivian e eu, as belezas que vimos por la.
ResponderExcluirFeliz Natal a todos da familia. KIKA SEIXAS
Vocês fizeram o natal ser a minha data preferida e esperada do ano! Esse ano, como todos os outros, será muito especial. Amo vocês.
ResponderExcluirSempre é maravilhoso reler as suas crônicas, e em especial esta do Natal. Sugiro atualizar para inserir o segundo neto Felipe. Bjs
ResponderExcluirO comentário a seguir foi feito pela minha querida amiga Stella Maris, aqui postado com sua devida autorização:
ResponderExcluir- A crônica "Natal" me conduziu ao mundo encantado do Natal. Os momentos são comoventes e acolhedores. Dou muita importância ao evento religioso do Natal, mas a sua crônica fez reviver a minha infância e emergir a magia do Natal. Maravilhoso texto!