sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

Os Sábios, os Filósofos e o COVID-19

 

Os Sábios, os filósofos e o COVID-19

Os sábios e os filósofos mais ilustres

Caminharam nas trevas da ignorância

E eram os luzeiros do seu tempo.

E o que fizeram, enfim?

Pronunciaram algumas frases confusas

E adormeceram fatigados

(Rubaiyat, de Omar Kháyyám) (*)

 

             

A quadra transcrita no prólogo desta crônica foi escrita há cerca de mil anos. O que, sobre a atual pandemia, estão falando os sábios e os filósofos mais ilustres?

 

Muitos parecem completamente perdidos em relação à atual pandemia do diabólico vírus COVID-19. Não há um consenso sobre o que fazer em termos de cuidados preventivos – distanciamento social, desinfecção, uso de mascaras, medicação preventiva e vacinas (sobre as quais comentaremos ainda neste texto), ou de tratamento, uma vez contraída a doença. Uma parte é insofismável e sinceramente favorável a essas medidas, largamente predominante na maioria dos países, enquanto outra parte faz chacota desses conselhos. Quando os sábios são os políticos, a coisa é bem mais complicada. Por mero ativismo partidário em muito contribuem para disseminar a dúvida e, aqueles em cargos executivos, também por insegurança, oscilam em movimento pendular entre a decretação de lockdown e a de abertura quase irrestrita nas entidades federativas sob sua administração.  Como consequência, as pessoas reagem das mais variadas maneiras, desde um quase paranoico cuidado preventivo até um total desafio às regras que prescrevem aqueles cuidados. Essas parecem que se cansaram da longa temporada em que mantiveram alguma prudência e partem para um comportamento por vezes orgiástico. O antigo conceito “a virtude está no meio”, apregoado na Roma Antiga, não é reconhecido em nosso país, onde a disciplina não é propriamente uma característica mesmo quando ela se faz necessária.

 

Das redes sociais jorram mensagens de toda sorte, emitidas por profissionais identificados e supostamente qualificados para emitir opinião equilibrada sobre o tema, mas o que se vê frequentemente são declarações de certezas messiânicas. E mensagens através de vídeos, áudios ou textos nas quais se identificam claramente a falsidade das afirmações, as clássicas fakenews e os enredos baseados em teorias da conspiração, muitas absolutamente mirabolantes, toscos arremedos da ficção criada nos célebres romances distópicos: “A Máquina do Tempo” (H.G. Wells), “1984” (George Orwell), “Fahrenheit 451” (Ray Bradbury), “Admirável Mundo Novo” (Aldous Huxley), dentre outros. Uma Nova Ordem Mundial, um governo mundial totalitário estaria sendo construído por uma poderosa elite secreta para governar o mundo por meio de um governo mundial autoritário que iria substituir os Estados-nação soberanos. A pandemia teria sido criada com esse objetivo. Muitas pessoas tomam essas manifestações como verdades insofismáveis, e saem compartilhando seus credos; outras são dominadas por uma crescente descrença na informação e no saber científico. Claro, o mundo certamente não será o mesmo quando (?) a peste for controlada. Países oportunisticamente se aproveitarão da pandemia e sairão fortalecidos, outros sairão enfraquecidos, mas tudo ocorrerá dentro de um planejamento de uma poderosa elite secreta, cientificamente bem concebido e executado? Neste ponto é muito oportuno lermos as considerações do renomado cientista britânico Martin Rees, ex- Presidente da Associação Britânica para o Desenvolvimento da Ciência. (**)

 

Mas, diferentemente de manifestações que, embora messiânicas, possam refletir uma sincera crença da parte de quem as faz, existem aquelas movidas e completamente contaminadas por um puro e simples facciosismo político ou por interesses comerciais. É um cínico e despudorado aproveitamento de uma tragédia que flagela a humanidade em prol de objetivos torpes. E valem-se da poderosíssima ferramenta das redes sociais, recurso daqueles que não têm acesso à mídia tradicional, de resto bastante conspurcada. Lamentável é que tantos usuários das redes se prestem a esse papel de difusores desse tipo de coisa.

 

Agora, a questão das vacinas. Desesperadas, as pessoas anseiam pela vacina que as colocará a salvo da peste. Não obstante a eficácia daquelas apresentadas até o momento não ser absoluta, e o fato de que há evidências de que o vírus apresenta mutações, as apostas estão sendo colocadas. E logo surgem notícias assustadoras. A vacina “B”, produzida por um prestigioso laboratório, resultou na morte de 33 idosos que receberam uma primeira dose da vacina, na Noruega, um país escandinavo de invejáveis padrões sócio-econômicos e avesso a teorias conspiratórias. Justamente idosos, componentes de grupos de alto risco. Mas logo vem um desmentido, todos os dias morrem cerca de 45 pessoas em lares de idosos naquele país, e que não há qualquer comprovação de que aquelas mortes seriam decorrentes do COVID-19. Em outra postagem,  essa vacina conteria em seu memorando, uma espécie de bula, um alerta, em inglês: “Para proteger a fertilidade alguns homens talvez queiram considerar o congelamento de seu esperma antes da vacinação.”  A vacina seria capaz de causar mutações genéticas, e causaria riscos à gravidez. O laboratório desmentiu categoricamente essas afirmações contidas em postagens que já contavam com muitos milhares de compartilhamentos. E quanto às demais vacinas? A aplicação da vacina “C” colocaria em sério riscos os idosos acima de 65 anos.  A vacina “D” estaria sendo rejeitada em seu próprio país de origem. A vacina “E” ainda não teria cumprido os protocolos necessários para a sua liberação. Por fim, as vacinas terão “microchips” ´para colher a identidade biométrica da população. Tudo isso já foi desmentido, mas é aconselhável, por sua vez, analisar com atenção os desmentidos para certificar-se de sua fundamentação.

 

Que mentes doentias estariam por trás dessas criações? Apenas perversidade mórbida? Ou, quem sabe, outros componentes? Política, naturalmente. E também comercial. É sabido que laboratórios estão competindo em um mercado de muitos, muitos, bilhões de dólares. É de se perguntar se não existiria algum componente de guerra comercial por trás dessas notícias. Não afirmo coisa alguma, apenas especulo, é mais uma teoria da conspiração. Cabe a cada um tirar suas próprias conclusões. E idealmente cada um seria livre para decidir quando e qual vacina tomar, naquela em que acredita, mas sabemos que esse não será o caso. Na data em que escrevo, existem duas vacinas já sendo aplicadas em nosso país, e são divulgados calendários para vacinação segundo critérios de prioridade como faixa etária, maior exposição a risco pela atividade exercida etc. É justo. O número de vacinados começa a aumentar de forma expressiva. E quanto àqueles que se recusarem a vacinar-se, terão seus direitos civis cerceados de diversas formas, como já foi aventado?

 

O fato é que não existem certezas sobre ponto algum da discussão. Propaga-se que as vacinas são seguras, podem apresentar poucos efeitos colaterais, sem gravidade, mas não garantem 100 % de imunidade. A primeira dose não garante proteção, é necessário tomar a segunda para atingir o percentual de imunidade associado à cada vacina. Aconselha-se mesmo àqueles que contraíram, e se recuperaram do vírus, a vacinarem-se. Existem outros que por alguma condição particular de saúde devem consultar o seu médico sobre a conveniência de vacinar-se.

 

Além da descoberta de que o vírus é mutante, pode atacar sob outras variantes, o que é motivo de inquietação entre os que já contraíram a doença e os já vacinados, surge agora o “Long Covid”, ainda sem tradução em português. Refere-se a um fenômeno que revela impactos de longo prazo da doença. Ou seja, mesmo os recuperados poderão ainda sofrer uma série de sintomas debilitantes semanas após a alta, incluindo efeitos psiquiátricos e físicos.

 

Por fim, exalte-se o comportamento dos profissionais da área de saúde – médicos, enfermeiros, assistentes sociais, fisioterapeutas, psicólogos, pessoal de apoio em geral – que arriscam suas vidas atuando silenciosamente nas frentes de batalha nos hospitais e em outros postos dedicados a salvar aqueles acometidos por essa peste implacável.

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(*) Omar Kháyyám (1040-1125) nasceu na então Pérsia, atual Irã. Além de poeta, foi um grande matemático e astrônomo.  Rubayát é o plural da palavra persa Rubai e que quer dizer “quartetos”. O texto na epígrafe desta crônica é um dos poemas da coletânea “Rubayát” (Livraria Editora José Olympio, 1967).

 

(**) Uma publicação no site intitulado LONG BETS (Apostas de Longo Prazo),  feitas no período entre 2017 e 2020 (Acesso em 04/02/2021) contém diversas previsões. A Aposta 9 é encabeçada com a espantosa previsão do cientista Martin Rees:

“A bioterror or bioerror will lead to one million casualties in a single event within a six month period starting no later than Dec 31 02020”. Em livre tradução: “Um ato [no campo da Biotecnologia] deliberado ou não causará um milhão de mortes em um único evento num período de seis meses começando até 31 de Dezembro de 2020”.

 

Ainda em livre tradução, seguem as reflexões do cientista: A Biotecnologia está claramente avançando rapidamente, em torno de 2020 haverá milhares – mesmo centenas de milhares - de pessoas capazes de causar um catastrófico desastre biológico. Minha preocupação não é apenas em relação a grupos terroristas organizados, mas com indivíduos bizarros com o mesmo tipo de mentalidade daqueles que presentemente engendram os vírus de computador. Mesmo que todas as nações imponham efetiva regulamentação sobre tecnologias potencialmente perigosas, a chance de sua real aplicação me parece tão pequena quanto no caso das leis sobre drogas. Por “bioerror” eu implico algo que tenha o mesmo efeito de um ataque terrorista, mas surgido inadvertidamente e, não, de uma intenção maligna”. 

 

Terminando, merece ainda ser citado o matemático John Casti, ph.D, especialista nos estudos das teorias dos sistemas e da complexidade. Em seu livro “O Colapso de Tudo”, Editora Intrínseca Ltda, 2012, ele relaciona (e detalha suas razões) a insurgência de uma pandemia global como um dos doze eventos extremos que podem destruir a civilização a qualquer momento.

 

Martin Rees e John Casti: nenhum deles é um internauta qualquer a inventar teorias da conspiração completamente desprovidas de fundamento. É preocupante o que dizem.

 

José Antonio C. Silva

 

04 de Fevereiro de 2021

8 comentários:

  1. Excelente relato e avaliação dos momentos atuais. Parabéns

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  2. Excelente relato e avaliação dos momentos atuais. Parabéns

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  3. Excelente relato e avaliação dos momentos atuais. Parabéns

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  4. São momentos difíceis e sua reflexão é muito oportuna em meio ao caos em que vivemos. Obrigada por mais uma preciosa publicação, amigo.

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  5. São momentos difíceis e sua reflexão é muito oportuna em meio ao caos em que vivemos. Obrigada por mais uma preciosa publicação, amigo.

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  6. Excelente texto, abordando os diversos aspectos da Pandemia e o que ela acarreta, não só na parte física mas, intensamente, na mental das pessoas.
    Parabéns ao autor, pela maneira didática e,pela qualidade do seu texto.

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  7. Meu Caro, sua descrição da terrível pandemia é perfeita e aborda com clareza a total ignorância dos "sábios" que divulgam as mais diversas opiniões sobre o vírus atual. Perto do final de sua crônica, preparei-me para mencionar que a vacina seria a solução para mais de 7(sete) bilhões de habitantes do planeta, mas, continuando a ler, vi que também existem controvérsias sobre sua eficácia, causando-me profunda decepção. Conclui-se então que não haverá salvação e devemos nos preparar para o final dos tempos? Talvez você possa dissecar este tema em sua próxima crônica.
    Os poemas de Omar Khayyam foram traduzidos por Eduard Fitzgerald, que preservando as rimas, carregou o texto com exagerados orientalismos de seus Rubaiyat segundo a opinião de alguns autores.
    Omar Khayyam nasceu em 1048 e morreu em 1131, caso pudesse ler esta sua crônica hoje, 900 anos depois, lhe daria parabéns pelo excelente texto.

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  8. Excelente resumo dos elementos que permeiam a Covid - prevenção, teorias da conspiração, comportamento, viéses político e ideológico, instabilidade econômica, social e mental, vacina e seus impactos, guerra comercial etc. Me conduziu à ideia de que teremos de conviver com isso pela eternidade por conta das mutações e, também, possíveis "arranjos" bem lucrativos! Parabéns e obrigada por nos presentear com valiosos pensamentos!!

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