Os Sábios, os filósofos e o COVID-19
Os sábios e os
filósofos mais ilustres
Caminharam nas
trevas da ignorância
E eram os luzeiros
do seu tempo.
E o que fizeram,
enfim?
Pronunciaram algumas
frases confusas
E adormeceram
fatigados
(Rubaiyat, de Omar Kháyyám)
(*)
A quadra transcrita no prólogo desta crônica foi escrita há
cerca de mil anos. O que, sobre a atual pandemia, estão falando os sábios e os
filósofos mais ilustres?
Muitos parecem completamente perdidos em relação à atual
pandemia do diabólico vírus COVID-19. Não há um consenso sobre o que fazer em
termos de cuidados preventivos – distanciamento social, desinfecção, uso de
mascaras, medicação preventiva e vacinas (sobre as quais comentaremos ainda
neste texto), ou de tratamento, uma vez contraída a doença. Uma parte é insofismável
e sinceramente favorável a essas medidas, largamente predominante na maioria
dos países, enquanto outra parte faz chacota desses conselhos. Quando os sábios
são os políticos, a coisa é bem mais complicada. Por mero ativismo partidário
em muito contribuem para disseminar a dúvida e, aqueles em cargos executivos, também
por insegurança, oscilam em movimento pendular entre a decretação de lockdown
e a de abertura quase irrestrita nas entidades federativas sob sua
administração. Como consequência, as
pessoas reagem das mais variadas maneiras, desde um quase paranoico cuidado preventivo
até um total desafio às regras que prescrevem aqueles cuidados. Essas parecem que
se cansaram da longa temporada em que mantiveram alguma prudência e partem para
um comportamento por vezes orgiástico. O antigo conceito “a virtude está no
meio”, apregoado na Roma Antiga, não é reconhecido em nosso país, onde a
disciplina não é propriamente uma característica mesmo quando ela se faz
necessária.
Das redes sociais jorram mensagens de toda sorte, emitidas
por profissionais identificados e supostamente qualificados para emitir opinião
equilibrada sobre o tema, mas o que se vê frequentemente são declarações de
certezas messiânicas. E mensagens através de vídeos, áudios ou textos nas quais
se identificam claramente a falsidade das afirmações, as clássicas fakenews e
os enredos baseados em teorias da conspiração, muitas absolutamente mirabolantes,
toscos arremedos da ficção criada nos célebres romances distópicos: “A Máquina
do Tempo” (H.G. Wells), “1984” (George Orwell), “Fahrenheit 451” (Ray
Bradbury), “Admirável Mundo Novo” (Aldous Huxley), dentre outros. Uma Nova
Ordem Mundial, um governo mundial totalitário estaria sendo construído por uma
poderosa elite secreta para governar o mundo por meio de um governo mundial
autoritário que iria substituir os Estados-nação soberanos. A pandemia teria
sido criada com esse objetivo. Muitas pessoas tomam essas manifestações como
verdades insofismáveis, e saem compartilhando seus credos; outras são dominadas
por uma crescente descrença na informação e no saber científico. Claro, o mundo
certamente não será o mesmo quando (?) a peste for controlada. Países oportunisticamente
se aproveitarão da pandemia e sairão fortalecidos, outros sairão enfraquecidos,
mas tudo ocorrerá dentro de um planejamento de uma poderosa elite secreta,
cientificamente bem concebido e executado? Neste ponto é muito oportuno lermos as
considerações do renomado cientista britânico Martin Rees, ex- Presidente da Associação
Britânica para o Desenvolvimento da Ciência. (**)
Mas, diferentemente de manifestações que, embora messiânicas,
possam refletir uma sincera crença da parte de quem as faz, existem aquelas
movidas e completamente contaminadas por um puro e simples facciosismo político
ou por interesses comerciais. É um cínico e despudorado aproveitamento de uma
tragédia que flagela a humanidade em prol de objetivos torpes. E valem-se da
poderosíssima ferramenta das redes sociais, recurso daqueles que não têm acesso
à mídia tradicional, de resto bastante conspurcada. Lamentável é que tantos
usuários das redes se prestem a esse papel de difusores desse tipo de coisa.
Agora, a questão das vacinas. Desesperadas, as pessoas
anseiam pela vacina que as colocará a salvo da peste. Não obstante a eficácia
daquelas apresentadas até o momento não ser absoluta, e o fato de que há
evidências de que o vírus apresenta mutações, as apostas estão sendo colocadas.
E logo surgem notícias assustadoras. A vacina “B”, produzida por um prestigioso
laboratório, resultou na morte de 33 idosos que receberam uma primeira dose da
vacina, na Noruega, um país escandinavo de invejáveis padrões sócio-econômicos
e avesso a teorias conspiratórias. Justamente idosos, componentes de grupos de
alto risco. Mas logo vem um desmentido, todos os dias morrem cerca de 45
pessoas em lares de idosos naquele país, e que não há qualquer comprovação de
que aquelas mortes seriam decorrentes do COVID-19. Em outra postagem, essa vacina conteria em seu memorando, uma
espécie de bula, um alerta, em inglês: “Para proteger a fertilidade alguns
homens talvez queiram considerar o congelamento de seu esperma antes da
vacinação.” A vacina seria capaz de
causar mutações genéticas, e causaria riscos à gravidez. O laboratório
desmentiu categoricamente essas afirmações contidas em postagens que já
contavam com muitos milhares de compartilhamentos. E quanto às demais vacinas?
A aplicação da vacina “C” colocaria em sério riscos os idosos acima de 65 anos. A vacina “D” estaria sendo rejeitada em seu
próprio país de origem. A vacina “E” ainda não teria cumprido os protocolos
necessários para a sua liberação. Por fim, as vacinas terão “microchips” ´para
colher a identidade biométrica da população. Tudo isso já foi desmentido, mas é
aconselhável, por sua vez, analisar com atenção os desmentidos para
certificar-se de sua fundamentação.
Que mentes doentias estariam por trás dessas criações? Apenas
perversidade mórbida? Ou, quem sabe, outros componentes? Política,
naturalmente. E também comercial. É sabido que laboratórios estão competindo em
um mercado de muitos, muitos, bilhões de dólares. É de se perguntar se não
existiria algum componente de guerra comercial por trás dessas notícias. Não
afirmo coisa alguma, apenas especulo, é mais uma teoria da conspiração. Cabe a
cada um tirar suas próprias conclusões. E idealmente cada um seria livre para
decidir quando e qual vacina tomar, naquela em que acredita, mas sabemos que
esse não será o caso. Na data em que escrevo, existem duas vacinas já sendo
aplicadas em nosso país, e são divulgados calendários para vacinação segundo
critérios de prioridade como faixa etária, maior exposição a risco pela
atividade exercida etc. É justo. O número de vacinados começa a aumentar de
forma expressiva. E quanto àqueles que se recusarem a vacinar-se, terão seus
direitos civis cerceados de diversas formas, como já foi aventado?
O fato é que não existem certezas sobre ponto algum da
discussão. Propaga-se que as vacinas são seguras, podem apresentar poucos
efeitos colaterais, sem gravidade, mas não garantem 100 % de imunidade. A
primeira dose não garante proteção, é necessário tomar a segunda para atingir o
percentual de imunidade associado à cada vacina. Aconselha-se mesmo àqueles que
contraíram, e se recuperaram do vírus, a vacinarem-se. Existem outros que por
alguma condição particular de saúde devem consultar o seu médico sobre a
conveniência de vacinar-se.
Além da descoberta de que o vírus é mutante, pode atacar sob
outras variantes, o que é motivo de inquietação entre os que já contraíram a
doença e os já vacinados, surge agora o “Long Covid”, ainda sem tradução em
português. Refere-se a um fenômeno que revela impactos de longo prazo da
doença. Ou seja, mesmo os recuperados poderão ainda sofrer uma série de
sintomas debilitantes semanas após a alta, incluindo efeitos psiquiátricos e
físicos.
Por fim, exalte-se o comportamento dos profissionais da área
de saúde – médicos, enfermeiros, assistentes sociais, fisioterapeutas,
psicólogos, pessoal de apoio em geral – que arriscam suas vidas atuando
silenciosamente nas frentes de batalha nos hospitais e em outros postos dedicados a salvar aqueles acometidos por essa
peste implacável.
___________________________________________________________________________________
(*)
Omar Kháyyám (1040-1125) nasceu na então Pérsia, atual Irã. Além de poeta, foi
um grande matemático e astrônomo. Rubayát
é o plural da palavra persa Rubai e que quer dizer “quartetos”. O texto na epígrafe
desta crônica é um dos poemas da coletânea “Rubayát” (Livraria Editora José
Olympio, 1967).
(**)
Uma publicação no site intitulado LONG BETS (Apostas de Longo Prazo), feitas no período entre 2017 e 2020 (Acesso em
04/02/2021) contém diversas previsões. A Aposta 9 é encabeçada com a espantosa previsão
do cientista Martin Rees:
“A
bioterror or bioerror will lead to one million casualties in a single event
within a six month period starting no later than Dec 31 02020”. Em livre
tradução: “Um ato [no campo da Biotecnologia] deliberado ou não causará um
milhão de mortes em um único evento num período de seis meses começando até 31
de Dezembro de 2020”.
Ainda
em livre tradução, seguem as reflexões do cientista: A Biotecnologia está
claramente avançando rapidamente, em torno de 2020 haverá milhares – mesmo
centenas de milhares - de pessoas capazes de causar um catastrófico desastre
biológico. Minha preocupação não é apenas em relação a grupos terroristas
organizados, mas com indivíduos bizarros com o mesmo tipo de mentalidade daqueles
que presentemente engendram os vírus de computador. Mesmo que todas as nações
imponham efetiva regulamentação sobre tecnologias potencialmente perigosas, a
chance de sua real aplicação me parece tão pequena quanto no caso das leis
sobre drogas. Por “bioerror” eu implico algo que tenha o mesmo efeito de um
ataque terrorista, mas surgido inadvertidamente e, não, de uma intenção
maligna”.
Terminando,
merece ainda ser citado o matemático John Casti, ph.D, especialista nos estudos
das teorias dos sistemas e da complexidade. Em seu livro “O Colapso de Tudo”,
Editora Intrínseca Ltda, 2012, ele relaciona (e detalha suas razões) a
insurgência de uma pandemia global como um dos doze eventos extremos que podem
destruir a civilização a qualquer momento.
Martin
Rees e John Casti: nenhum deles é um internauta qualquer a inventar teorias da
conspiração completamente desprovidas de fundamento. É preocupante o que dizem.
José
Antonio C. Silva
04
de Fevereiro de 2021
Excelente relato e avaliação dos momentos atuais. Parabéns
ResponderExcluirExcelente relato e avaliação dos momentos atuais. Parabéns
ResponderExcluirExcelente relato e avaliação dos momentos atuais. Parabéns
ResponderExcluirSão momentos difíceis e sua reflexão é muito oportuna em meio ao caos em que vivemos. Obrigada por mais uma preciosa publicação, amigo.
ResponderExcluirSão momentos difíceis e sua reflexão é muito oportuna em meio ao caos em que vivemos. Obrigada por mais uma preciosa publicação, amigo.
ResponderExcluirExcelente texto, abordando os diversos aspectos da Pandemia e o que ela acarreta, não só na parte física mas, intensamente, na mental das pessoas.
ResponderExcluirParabéns ao autor, pela maneira didática e,pela qualidade do seu texto.
Meu Caro, sua descrição da terrível pandemia é perfeita e aborda com clareza a total ignorância dos "sábios" que divulgam as mais diversas opiniões sobre o vírus atual. Perto do final de sua crônica, preparei-me para mencionar que a vacina seria a solução para mais de 7(sete) bilhões de habitantes do planeta, mas, continuando a ler, vi que também existem controvérsias sobre sua eficácia, causando-me profunda decepção. Conclui-se então que não haverá salvação e devemos nos preparar para o final dos tempos? Talvez você possa dissecar este tema em sua próxima crônica.
ResponderExcluirOs poemas de Omar Khayyam foram traduzidos por Eduard Fitzgerald, que preservando as rimas, carregou o texto com exagerados orientalismos de seus Rubaiyat segundo a opinião de alguns autores.
Omar Khayyam nasceu em 1048 e morreu em 1131, caso pudesse ler esta sua crônica hoje, 900 anos depois, lhe daria parabéns pelo excelente texto.
Excelente resumo dos elementos que permeiam a Covid - prevenção, teorias da conspiração, comportamento, viéses político e ideológico, instabilidade econômica, social e mental, vacina e seus impactos, guerra comercial etc. Me conduziu à ideia de que teremos de conviver com isso pela eternidade por conta das mutações e, também, possíveis "arranjos" bem lucrativos! Parabéns e obrigada por nos presentear com valiosos pensamentos!!
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