O Vírus. Até quando?
E ele voltou, mais uma vez. Sua
atuação começou a ser sentida no início do ano de 2020. Ele já fizera
incontáveis outras excursões entre os humanos, com maior ou menor severidade,
ora como vírus, ora como bactéria. A História registra sua trágica passagem em
episódios particularmente macabros como aqueles que ficaram conhecidos como a
Peste de Justiniano (ocorrida no reinado do imperador bizantino Justiniano,
entre os anos 541 e 544), a Peste Negra, que assolou a Idade Média, e a Gripe
Espanhola, nos anos 1917 e 1918. Os números de vítimas são absolutamente
apavorantes, principalmente se tomados em proporção à população nas épocas das
pandemias. E ele voltou, desta vez na forma de uma semente de mamona, uma
bolinha recoberta de algo como espinhos. Recebeu o nome científico de COVID-19.
A pandemia por ele causada foi de uma severidade descomunal, afetando em maior
ou menor grau, a praticamente todos os países.
Mas, afinal, que vírus era esse, de
onde surgira, como se transmitia, como precaver-se do contágio, como tratar-se,
uma vez contaminado? Foram perguntas para as quais os mais renomados cientistas
e pesquisadores jamais chegaram a um consenso. Diariamente as redes sociais
eram inundadas com pronunciamentos de autoridades de diversos ramos da área de
saúde, muito frequentemente em franca contradição uns com os outros. Igualmente não chegaram a um consenso os
políticos encarregados de administrar seus municípios, suas cidades, seus
países. Uns pregavam o lockdown (confinamento), enquanto outros adotavam
uma postura oposta. Não havia consenso nem mesmo em relação a adoção de medidas
consideradas básicas na prevenção: o uso de máscaras, a higiene das mãos e o
distanciamento social. A política invadiu o pensamento científico para contribuir
para a desinformação. A mídia tradicional parecia se comprazer em dar destaque
ao noticiário fúnebre e disseminar o pavor.
No mês de agosto do ano da irrupção
da peste, a quarentena completara cerca de 5 meses de sua implantação no país.
Embora houvesse quem, de início, resistisse, muitos outros a acataram,
especialmente os idosos e/ou portadores de outros fatores de risco. E foram
muitas as razões para tal isolamento. Na contramão dos que minimizavam a ameaça
do vírus estavam aqueles que reconheciam o risco e tomavam suas cautelas, e
também aqueles que são tomados pelo pânico, vendo o fantasma do vírus
espreitando em toda parte. Escrevem protocolos para entrada e saída de casa. As
ruas, as calçadas, os bancos das praças estão contaminados. Os elevadores e as
escadas dos edifícios ocultam o vírus da Peste. Os sapatos e as roupas são
transmissores, ao chegar da rua, para onde não deveriam ter ousado ir, devem
separar e providenciar a pronta esterilização dessas peças de vestuário. Os
pneus do carro, ao rolar sobre as ruas infectadas, e a própria chave de
ignição, são outros solertes introdutores da peste em nossas moradias. Os
alimentos e outros itens que adquirimos nos mercados estão igualmente contaminados.
Nem pensar em sacar dinheiro para fazer pagamentos, deve-se usar o cartão de
débito ou de crédito, e desinfetá-los imediatamente após o uso, e não receber o
comprovante de pagamento emitido pela maquininha sinistra.
A peste igualmente penetra em nossa
toca através dos correios, do entregador do jornal, dos serviços de delivery.
Dentro de nossas casas é essencial estarmos atentos a cada esconderijo do
vírus. Ele está em nossos celulares, em nossos computadores, em nossos
aparelhos de telefonia fixa. Nos aparelhos eletroeletrônicos, na fiação e em
seus controles, nos interruptores de luz. Na louça e nos utensílios de cozinha.
Nas maçanetas das portas e em suas chaves, nas torneiras, nas tampas dos
sanitários. Em nossas roupas, em nossa pele, em nossos cabelos. Ele é
onipresente. A cada instante temos que lavar as mãos com sabão, com álcool gel.
O contágio se faz pelo ar. Dentro deste quadro seria praticamente impossível
escapar. Na angústia de saber se está contaminada, sem apresentar ainda os sinistros
sinais da doença, muitas pessoas recorrem aos testes, cuja confiabilidade está
longe de ser absoluta. Assim sendo um teste pode apresentar um resultado falso
positivo ou falso negativo. Circula nas
redes, inclusive, um vídeo de uma intitulada autoridade médica afirmando
categoricamente a inutilidade dos testes.
Contrariamente a essa histeria viria
mais tarde pronunciar-se uma autoridade médica afirmando, entre outras coisas
que: 1. Talvez tenhamos que morar com o COVID 19 por meses ou anos. *Não*
vamos negar ou entrar em pânico. *Não* vamos tornar nossas vidas
inúteis. *Vamos aprender a conviver com esse fato.* (...); 3. *Lavar as mãos
é o melhor método* para sua proteção; 4. Se você *não tem* um
paciente COVID19 em casa, *não há necessidade* de desinfetar as
superfícies da sua casa; 5. Cargas embaladas, bombas de gás, carrinhos de
compras e caixas eletrônicos não causam infecção. *Lave as mãos,* viva sua vida
como sempre. (...); 8. Uma vez em casa, você *não precisa* trocar de
roupa com urgência e tomar banho! Pureza é uma virtude, *paranoia não é!* ; 9.
O vírus COVID19 *não está* no ar. Esta é uma infecção respiratória por
gotículas que requer *contato próximo.*; 10. O ar está limpo, você *pode
caminhar* pelos jardins, pelos parques, apenas *evite aglomerações; 11. É
suficiente usar *sabão normal* contra COVID19, não sabão antibacteriano.
Este é um *vírus, não uma bactéria*(...); 12. Você *não precisa*
se preocupar com seus pedidos de comida. Mas você pode aquecer tudo no micro
ondas, se desejar; 13. As *chances* de levar o COVID19 *para casa*
com os *sapatos* são *como ser atingido* por um raio duas vezes
por dia. Trabalho contra vírus há 20 anos - as *infecções* por gota *não*
se espalham assim! (...) 17. A *imunidade* é muito enfraquecida ao *permanecer
sempre* em um ambiente estéril. Mesmo se você comer alimentos que aumentam
a imunidade, *saia regularmente* de sua casa para qualquer parque /
praia. A *imunidade é aumentada* pela exposição a patógenos, não por
ficar em casa e consumir alimentos fritos / condimentados / açucarados e
bebidas gaseificadas, e não praticar atividades físicas.
Agora, a questão das vacinas.
Desesperadas, as pessoas anseiam pela vacina que as colocará a salvo da peste.
Não obstante a eficácia daquelas apresentadas até o momento não ser absoluta, e
o fato de que há evidências de que o vírus apresenta mutações, as apostas estão
sendo colocadas. E logo surgem notícias assustadoras. A vacina “B”, produzida
por um prestigioso laboratório, resultou na morte de 33 idosos que receberam
uma primeira dose da vacina, na Noruega, um país escandinavo de invejáveis
padrões socioeconômicos e avesso a teorias conspiratórias. Justamente idosos,
componentes de grupos de alto risco. Mas logo vem um desmentido, todos os dias
morrem cerca de 45 pessoas em lares de idosos naquele país, e que não há
qualquer comprovação de que aquelas mortes seriam decorrentes do COVID-19. Em
outra postagem, essa vacina conteria em seu memorando, uma espécie de bula, um alerta,
em inglês: “Para proteger a fertilidade alguns homens talvez queiram considerar
o congelamento de seu esperma antes da vacinação.” A vacina seria capaz de causar mutações
genéticas, e causaria riscos à gravidez. O laboratório desmentiu categoricamente
essas afirmações contidas em postagens que já contavam com muitos milhares de
compartilhamentos. E quanto às demais vacinas? A aplicação da vacina “C”
colocaria em sérios riscos os idosos acima de 65 anos. A vacina “D” estaria sendo rejeitada em seu próprio
país de origem. A vacina “E” ainda não teria cumprido os protocolos necessários
para a sua liberação. Por fim, as vacinas terão “microchips” ´para colher a
identidade biométrica da população. Tudo isso já foi desmentido, mas é
aconselhável, por sua vez, analisar com atenção os desmentidos para
certificar-se de sua fundamentação. A despeito de tudo, as pessoas, em sua
imensa maioria, correm a vacinar-se, é a grande esperança.
O Vírus se divertia muito com o
pânico que causava. Ele escolhia a quem contaminar, sem qualquer critério
perceptível aos cientistas, às pessoas em geral. Jovens trancados em quarentena
juntamente com idosos portadores de comorbidades contraiam a doença, que poupava
os idosos; comunidades super povoadas, sem saneamento básico e sem qualquer
possibilidade de isolamento social para os sues moradores, pareciam exibir
números de contaminados e de mortes estranhamente baixos quando comparados aos
de outras localidades em condições sociais bastante superiores; rebeldes às
recomendações de uso de máscara e distanciamento social levavam suas vidas como
se nada estivesse acontecendo, e muitos deles não contraiam o Vírus; países
desenvolvidos sob os aspectos econômico, social, cultural e tecnológico estavam
estranhamente entre os mais atingidos pela peste. Em suas fases mais agudas da
peste, as unidades de atendimento hospitalares ficaram superlotadas, e muitos
morreram por falta dos cuidados necessários.
Separara famílias, grupos de amigos,
condenara os mais temerosos de contágio à encontros virtuais, as Lives, toscos
arremedos dos encontros presenciais, com abraços, beijos, carinhos, olho
no olho. Até mesmo grupos de moradores em um mesmo condomínio faziam reuniões
virtuais com vizinhos literalmente de porta. Viagens se tornaram um sério risco
de contágio, entes queridos separados por grandes distancias físicas estavam
condenados a se contentarem com esses arremedos de encontros.
Um dia, no ano 202 -, finalmente, o
Vírus, assim como em tantas outras vezes, se cansou. Zombara do cientificismo, se
transmutara por insondáveis desígnios, tripudiando sobre a arrogância humana. Deixara
muitos milhões de pessoas infectadas, uma parte delas mortas, outras
sequeladas, muitas sabe-se lá porquê, rapidamente restabelecidas e inteiramente
recuperadas. As estatísticas eram pouquíssimo confiáveis, propositalmente ou
pela própria dificuldade em levantamentos de tal ordem, notadamente em regiões
de grande concentração humana e dificuldade de acesso por variadas razões, e
onde a coleta de dados era por demais precária. Mais difícil ainda seria
ter-se, mesmo que muito impreciso, o número de pessoas mentalmente abaladas. A
moral e os costumes da sociedade foram relaxados. A economia fora tremendamente
atingida, a recuperação iria levar um tempo imprevisível.
O Vírus é eterno, veio do infinito, recolhera-se
a um ponto qualquer do Universo, do qual é parte constitutiva, podia ser como uma
única semente de mamona ou uma infinidade delas, como as estrelas no
firmamento. Gostava de ser imprevisível para si próprio, e assim não traçava
planos para um retorno que certamente viria. Em 10 anos, 25 anos, 200 anos?
Ainda existiria a humanidade sobre o planeta Terra em tão longo prazo?
Nota: a autoridade médica a que o
texto se refere no quinto parágrafo é a Chefe da Clínica de Doenças Infecciosas
da Universidade de Maryland, EUA. https://www.impala.pt/noticias/atualidade/covid-19
José Antonio C. Silva
20/03/2021
Excelente texto, amigo. Aqui você nos oferece a oportunidade de caminhar em suas reflexões sobre a terrível situação em que este vírus nos faz experimentar ao mesmo tempo nos dá a oportunidade de perceber a verdadeira dimensão do que é esta pandemia.
ResponderExcluirO seu olhar retrospectivo mostra fielmente e de forma perspicaz o que nos aconteceu no último ano, o que nos tornamos - um laboratório de incertezas e de alterações dos nossos hábitos e convivências - e levanta a dúvida do que nos espera nos próximos dias, meses e possivelmente anos. Sempre incrível! Parabéns!
ResponderExcluirMeu Caro, sua crônica sobre o terrível vírus que nos assola, lembrou-me os suspenses infindáveis dos filmes de Hitchcock e Zé do Caixão, deixando-nos com a sensação que o término da pandemia ainda está longe de acabar, em virtude das incertezas que os "sábios infectologistas e doutores", transmitem em seus textos contraditórios e inconclusivos sobre a cura deste mal.
ResponderExcluirAlguns já citam que teremos que conviver com um horizonte de 10(dez) anos até que algum remédio e não a vacina, sejam produzidos para ficarmos livres definitivamente desta peste que apareceu em 2020.
O mais triste disto tudo, é não podermos estar presencialmente com os amigos como fazíamos antes da pandemia, instantes que nos proporcionavam momentos prazerosos e alegria de viver.
Sabemos como é difícil manter a esperança de um futuro melhor nesta situação como a que estamos vivendo, mas não podemos perder a fé, fé que nos dará forças para continuarmos vivos e cuidando de nossas famílias.
Parabéns pelo belo texto e te cuida por favor.
Muito bom 👏👏👏
ResponderExcluirExcelente texto
ResponderExcluirPassa-nos a sensação de estarmos em meio a um tiroteio sem saber onde está o atirador - sensação pela qual em algum momento quase todos sentimos com o início da pandemia...
Exclente documento de registro do período que passamos!